Meiguice
Adelina Lopes Vieira
Deram à linda Clarisse
uma gatinha mimosa,
tão branca, tão carinhosa,
tão engraçada, tão mansa
que a encantadora criança
por nome lhe pôs — Meiguice.
Tinha bom leite ao almoço
e biscoitos e bolinhos;
dormia em sedas e armarinhos,
e ronronava fagueira
quando sentia a coleira
de fita azul, no pescoço.
Clarisse amava deveras
a bichinha cor de neve
e a gata, nervosa e leve,
adorava a pequenita;
e tinham graça infinita,
estas amigas sinceras!
Veio Raul, o mais louro
e traquinas dos rapazes,
forte e audaz entre os audazes,
fanfarrão e desordeiro;
correu a casa ligeiro
indo encontrar o tesouro,
a doce e branca Meiguice,
deitada comodamente
na cama fofinha e quente
da prima, e gritou: — Que vejo?
um bicho tão malfazejo,
sobre o leito de Clarisse!
E... zás, suspendeu a gata
pela coleira de fita,
atirou a pobrezita,
ao jardim e, satisfeito,
à priminha o heróico feito
foi contar como bravata.
Debatia-se Meiguice,
no lago, fria, transida,
a morrer.
O gaticida
sentiu remorso pungente
ao ver o pranto tremente
no olhar azul de Clarisse.
E... correndo, denodado,
deitou-se ao lago profundo,
(dois palmos d'água); do fundo
tirou Meiguice, e ofegante
disse em tom dilacerante:
— Salvei-a!
— Estou perdoado?
Fonte:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=81627