O MILIONÁRIO MODELO
( Esta é uma história curta escrita por OSCAR WILDE (1954-1990) que explora temas como riqueza, amor, generosidade e as complexidades da vida na sociedade aristocrática de Londres do século XIX. Essa narrativa satírica de Wilde questiona as noções de valor, aparência e generosidade na sociedade. )
Fonte: PDF disponível no site DOMÍNIO PÚBLICO: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=5978 | Título original: "El Millonario Modelo"
A menos que você seja rico, não adianta ser uma pessoa encantadora. O romantismo é privilégio dos ricos, não a profissão dos desempregados. Os pobres deveriam ser práticos e prosaicos. É melhor ter uma renda permanente do que ser fascinante. Estas são as grandes verdades da vida moderna que Hughie Erskine nunca compreendeu. Pobre Hughie!
Intelectualmente, devemos admitir, ele não era muito notável. Nunca disse nada brilhante em sua vida, nem mesmo algo mal intencionado. Mas, em contrapartida, era surpreendentemente bonito, com seus cabelos castanhos cacheados, seu perfil bem definido e seus olhos cinzentos. Era tão popular entre os homens quanto entre as mulheres e tinha todas as qualidades, exceto a de ganhar dinheiro. Seu pai deixou para ele sua espada de cavaleiro e uma HISTÓRIA DA GUERRA PENINSULAR, em quinze volumes. Hughie pendurou a última sobre o espelho, colocou a primeira em uma prateleira entre o Guia de Ruff e a Revista de Bailey, e viveu com as duzentas libras por ano que uma tia idosa lhe fornecia. Ele tentou de tudo.
Frequentava a Bolsa há seis meses; mas o que uma borboleta iria fazer entre "touros" e "ursos"? Ele foi comerciante de chá por um pouco mais de tempo, mas logo se cansou do chá chinês forte e leve. Então tentou vender xerez (vinho) seco; aquilo não deu certo; talvez o xerez fosse muito seco.
Por fim, dedicou-se a não fazer nada, e simplesmente a ser um jovem charmoso, inútil, de perfil perfeito e sem profissão.
Para piorar as coisas, ele estava apaixonado. A garota que ele amava era Laura Merton, filha de um coronel aposentado que perdeu o humor e a digestão na Índia, e que nunca mais recuperou nenhum dos dois.
Laura o adorava, e ele teria beijado os cadarços de seus sapatos. Eles formavam o casal mais lindo de Londres e não tinham um centavo entre eles. O coronel gostava muito de Hughie, mas não queria ouvir falar de namoro.
-Rapaz - costumava dizer -, venha me ver quando tiver dez mil libras suas, e veremos. E Hughie ficava melancólico nesses dias e tinha que procurar Laura em busca de consolo.
Certa manhã, enquanto se dirigia a Holland Park, onde os Merton moravam, ele decidiu visitar um grande amigo seu, Alan Trevor. Trevor era pintor. Pouca gente escapa disso hoje em dia; mas ele era artista além de tudo, e artistas são bastante raros. Como pessoa, era um indivíduo estranho e rude, com o rosto cheio de sardas e uma barba ruiva descuidada. No entanto, quando pegava o pincel, era um verdadeiro mestre, e seus quadros eram muito procurados. Hughie o havia interessado muito; inicialmente, devemos admitir, por causa de seu encanto pessoal.
-Um pintor - costumava dizer - deveria conhecer apenas pessoas tolas e bonitas, pessoas que são um prazer artístico de se ver e um repouso intelectual de se falar com elas. Os homens elegantes e as mulheres amadas governam o mundo, pelo menos deveriam governá-lo.
No entanto, quando Hughie o conheceu melhor, ele o apreciou tanto por seu otimismo radiante quanto por sua natureza generosa e desajeitada, e lhe deu entrada livre em seu estúdio.
Quando Hughie chegou naquele dia, encontrou Trevor dando os últimos retoques em um magnífico retrato de um mendigo em tamanho natural. O mendigo em si estava posando de pé, em um tablado, em um canto do estúdio. Era um velho magro, com um rosto parecido com um pergaminho enrugado e uma expressão extremamente lamentável. Ele estava vestindo um grosso casaco marrom todo rasgado e esfarrapado; suas botas grossas estavam remendadas e com remendos, e com uma mão ele se apoiava em um bastão áspero, enquanto com a outra segurava seu chapéu surrado, pedindo esmola.
-Que modelo surpreendente! - murmurou Hughie ao apertar a mão de seu amigo.
-Que modelo surpreendente? - gritou Trevor em voz alta -, isso eu concordo! Não se encontra mendigos como ele todos os dias. Um achado, meu caro; um Velázquez em carne e osso! Raios! Que gravura Rembrandt faria com ele!
-Pobre velho! - disse Hughie -, que aspecto tão triste ele tem! Mas suponho que para vocês, os pintores, o rosto dele vale uma fortuna.
-Certamente - respondeu Trevor -, você não quer que um mendigo pareça feliz, não é?
-Quanto um modelo cobra por posar? - perguntou Hughie, enquanto encontrava um assento confortável em um sofá.
Um xelim por hora. {= xelim é uma unidade monetária}
-E quanto você cobra pelo quadro, Alan?
-Oh, por este eu cobro dois mil!
-Libras?
-Guinéus. Pintores, poetas e médicos sempre cobram em guinéus.
-Bem, eu acho que o modelo deveria receber uma porcentagem - exclamou Hughie, rindo; ele trabalha tanto quanto você.
-Bobagem, bobagem! Olha, mesmo que seja só o trabalho de espalhar a tinta, e o ficar de pé o dia inteiro na frente do cavalete! Para você é muito fácil falar, Hughie, mas eu te garanto que há momentos em que a arte alcança quase a dignidade do trabalho manual. Mas não fique conversando; estou muito ocupado. Fume um cigarro e fique quieto.
Depois de um tempo, o criado entrou e disse a Trevor que o homem que fazia suas molduras queria falar com ele.
-Não saia correndo, Hughie - disse ao sair -, volto num instante.
O velho mendigo aproveitou a ausência de Trevor para descansar por alguns instantes em um banco de madeira que havia atrás dele. Ele parecia tão desamparado e tão infeliz que Hughie não pôde deixar de se compadecer dele, e vasculhou os bolsos para ver quanto dinheiro tinha. Tudo o que ele encontrou foi uma libra de ouro e algumas moedas de cobre.
"Pobre velho!" ele pensou consigo mesmo, "ele precisa mais disso do que eu; mas isso significa que não poderei pegar um táxi por duas semanas." E ele atravessou o estúdio e deslizou a moeda de ouro na mão do mendigo. O velho se assustou, e um leve sorriso passou por seus lábios ressequidos.
-Obrigado, senhor - disse -, obrigado.
Então Trevor chegou, e Hughie saiu, ficando um pouco corado pelo que tinha feito.
Passou o dia com Laura, recebeu uma adorável repreensão por sua extravagância e teve que voltar para casa a pé.
Aquela noite ele entrou no Palette Club por volta das onze horas e encontrou Trevor sentado sozinho na sala de fumantes bebendo vinho do Reno com água com gás.
-Tudo bem, Alan, você terminou a pintura? -disse ele, enquanto acendia o cigarro.
-Está terminado e emoldurado, rapaz - respondeu Trevor -, e a propósito, você fez uma conquista. O velho modelo que você viu tem verdadeira devoção por você. Tive que contar tudo sobre você para ele: quem você é, onde mora, quanto dinheiro tem, que perspectivas futuras você tem...
-Querido Alan - exclamou Hughie -, provavelmente o encontrarei me esperando quando voltar para casa. Mas, é claro, você está só brincando. Pobre velho infeliz! Eu gostaria de fazer algo por ele; acho terrível que haja alguém tão desafortunado. Eu tenho um monte de roupas velhas em casa; você acha que ele se interessaria por alguma delas? Como suas roupas estavam se desfazendo em pedaços!
-Mas ele está esplêndido com elas - disse Trevor. Não o pintaria com um paletó nem por todo o ouro do mundo. O que você chama de trapos, eu chamo de vestimenta romântica; o que parece pobreza para você, parece pitoresco para mim. No entanto, falarei a ele sobre sua oferta.
-Alan - disse Hughie gravemente -, vocês pintores são pessoas sem coração.
-O coração de um artista é sua cabeça - respondeu Trevor -, e, além disso, nossa tarefa é entender o mundo como o vemos, não reformá-lo de acordo com o conhecimento que temos dele. Cada um com seu trabalho. E agora, me diga, como está Laura? O velho modelo ficou muito interessado nela.
-Você não quer dizer que falou sobre ela para ele? - disse Hughie.
-Claro que sim. Ele sabe tudo sobre o implacável coronel, a bela Laura e as dez mil libras.
-Você contou ao velho mendigo todos os meus assuntos privados? - exclamou Hughie, ficando vermelho e muito zangado.
-Meu querido rapaz - disse Trevor, sorrindo -, esse velho mendigo, como você o chama, é um dos homens mais ricos da Europa. Ele poderia comprar toda Londres amanhã sem expor suas contas bancárias. Tem uma casa em todas as capitais; come em louça de ouro, e quando quer, pode impedir a Rússia de entrar em guerra.
-O que diabos você quer dizer? - exclamou Hughie.
-O que eu quero dizer - respondeu Trevor - é isso. O velho que você viu hoje no estúdio era o barão Hausberg. Ele é um grande amigo meu; compra todos os meus quadros e todas essas coisas, e há um mês me pediu para pintá-lo de mendigo. O que você quer? A fantasia de um milionário! E devo reconhecer que ele estava magnífico com os trapos, ou talvez devesse dizer com os meus, já que são roupas velhas que eu consegui na Espanha.
-O barão Hausberg! - exclamou Hughie. Meu Deus! E eu dei uma libra para ele!
E ele desabou em uma poltrona, parecendo a imagem da consternação.
-Você deu uma libra para ele? - gritou Trevor, rindo alto. Meu querido rapaz, você nunca mais o verá. Seu negócio é o dinheiro dos outros.
-Acho que você poderia ter me dito isso, Alan - disse Hughie, mal-humorado -, e não ter me deixado fazer papel de bobo.
-Bem, para começar, Hughie - disse Trevor -, nunca ocorreu para mim que você sairia por aí distribuindo esmolas de maneira tão imprudente. Posso entender que dê um beijo em uma modelo bonita, mas que dê uma moeda de ouro a um modelo feio, por Júpiter, não! Além disso, o fato é que na verdade eu não estava em casa para ninguém, e quando você entrou eu não sabia se Hausberg gostaria que seu nome fosse mencionado. Você sabe que ele não estava bem vestido.
-Que idiota ele deve pensar que eu sou! - disse Hughie.
-Nada disso. Ele estava de excelente humor depois que você saiu; só ria baixinho e esfregava as velhas mãos enrugadas. Eu não conseguia entender por que estava tão interessado em saber tudo sobre você, mas agora tudo está claro para mim. Ele investirá sua libra por você, Hughie, pagará os juros a cada seis meses e terá uma história maravilhosa para contar depois do jantar.
-Sou um pobre diabo sem sorte - resmungou Hughie. O melhor que posso fazer é ir para a cama, e você, querido Alan, não deve contar a ninguém; eu não me atreveria a mostrar minha cara em público.
-Bobagem! Isso honra sua alta reputação de espírito filantrópico, Hughie. E não saia correndo. Fume outro cigarro, e você pode falar sobre Laura tanto quanto quiser.
No entanto, Hughie não quis ficar lá; ele foi para casa, se sentindo muito infeliz e deixando Trevor com um ataque de risos.
Na manhã seguinte, enquanto tomava café da manhã, o criado lhe entregou um cartão em que estava escrito: "Monsieur Gustave Naudin, em nome do Sr. Barão Hausberg."
-Suponho que ele veio pedir desculpas - pensou Hughie consigo mesmo. E instruiu o criado a fazer entrar o visitante.
Entrou na sala um senhor idoso com óculos dourados e cabelos grisalhos, e disse com um leve sotaque francês:
-Tenho a honra de falar com o senhor Erskine? Hughie assentiu com a cabeça.
-Eu venho em nome do barão Hausberg - continuou ele. O barão...
-Rogo-lhe, senhor, que apresente minhas mais sinceras desculpas - gaguejou Hughie.
-O barão - disse o velho com um sorriso - me incumbiu de lhe trazer esta carta.
E estendeu-lhe um envelope lacrado, no qual estava escrito o seguinte: "Um presente de casamento para Hugh Erskine e Laura Merton, de um velho mendigo." E dentro havia um cheque de dez mil libras.
Quando se casaram, Alan Trevor foi padrinho, e o barão fez um discurso no café da manhã do casamento.
"Os modelos milionários", observou Alan, "são bastante raros, mas, caramba, os milionários modelos são ainda mais raros."
Fim