(739)_O GRITO QUE OS PAIS PRECISAM OUVIR [Comportamento] (Rosely Sayão)

 

Neste depoimento sensível, a psicóloga Rosely Sayão aborda as profundas consequências do isolamento social na saúde mental dos adolescentes. Diferente das crianças, que se identificam com o núcleo familiar, os adolescentes precisam se afastar um pouco da família para formar identidade própria, o que acontece principalmente na convivência com seus pares, na escola. Com o fechamento das escolas durante a pandemia, esses jovens perderam seu principal espaço de socialização, ficando à mercê apenas do ambiente familiar, o que gerou um retrocesso emocional, fazendo-os regredir a comportamentos mais infantis. A ausência de contato com colegas levou muitos a estados de tristeza profunda, que em vários casos evoluiu para depressão e pensamentos suicidas. Rosely alerta sobre o desespero dos adolescentes para retornar às aulas presenciais, mesmo com os riscos, e propõe uma abordagem mais empática por parte dos pais: compartilhar suas próprias vulnerabilidades pode abrir espaço para um diálogo mais acessível. O desafio do retorno às aulas se mostra um dilema sem solução ideal, exigindo cuidado e sensibilidade de todos os envolvidos. A fala de Rosely é um apelo à escuta e à criação de alternativas para que os adolescentes possam novamente encontrar seu lugar no mundo, com apoio, afeto e compreensão.

O GRITO QUE OS PAIS PRECISAM OUVIR 

(Rosely Sayão)


Assim que começou o isolamento, para quem pode, o distanciamento, e as escolas fecharam, a primeira coisa que eu pensei foi nos adolescentes. A criança se identifica com o seu grupo familiar. Então, ora mais com um personagem, ora mais com outro, mas o grupo familiar é a referência da criança.


Na adolescência, é preciso fazer uma certa separação com esse grupo familiar para ganhar vida, ganhar mundo, conquistar as suas escolhas. Então, é preciso muito, muito dos seus pares, pares que ele encontra na escola. Hoje, são poucos os espaços públicos que oferecem a possibilidade para o adolescente de encontrar pessoas da sua geração.


Então, a escola é o único lugar que todos podem ir, todos vão, quase todos, e que lá eles se encontram. E vão adquirindo também identidade, tanto pessoal quanto de grupo. Vão formando grupos no espaço público, aprendendo o que significa viver mais no espaço público, e mais assumindo a responsabilidade pelas suas escolhas, pelas suas atitudes.


Quando o adolescente é trazido de volta para casa, e, portanto, muito próximo do grupo familiar, ele ficou quase que perdido na sua adolescência, e voltou muito a ser um pouco criança, um pouco infantil. Então, hoje a saúde mental de muitos está bastante prejudicada. Por si, a adolescência já é um período bem conturbado, com muita atividade mental intensa, é por isso que eles passam, às vezes, horas fazendo a mesma coisa, porque, na verdade, aquela mesma coisa que pode ser um videogame, por exemplo, é só um pretexto para ele ficar com os pensamentos dele, muito envolvido internamente.


Agora, eles estão sem pares, eles estão à mercê do grupo familiar e, portanto, dos pais, e estão entrando numa certa tristeza muito intensa que, para alguns, está se transformando em depressão. Você falou, eu recebi vários pais, inclusive adolescentes, e todos nessa transição da tristeza para a depressão, exigindo tratamento psiquiátrico também. Então, me preocupa bastante.


Hoje mesmo eu li uma reportagem do retorno em Manaus, das escolas de ensino médio, portanto, adolescentes. E a ânsia deles é tanta para voltar que fez a maior aglomeração. Ou seja, tudo aquilo que não poderia acontecer para que eles estejam tranquilamente, um pouco mais tranquilos na escola, aconteceu, tal é o desespero deles para fazer o contato.


Quando nós, adultos, lemos as notícias e a gente percebe que não há uma saída mágica e nem muito próxima para resolver o problema da pandemia, as vacinas estão sendo anunciadas, mas os cientistas dizem, calma, não vai ser simples assim. Então, para eles, eles não veem saída. E falar em suicídio é basicamente isso, não vê alternativa de como continuar a viver.


Ou seja, os problemas são muito maiores daquilo que ele pode resolver para seguir o seu caminho. Alguns adolescentes ficam retraídos mesmo, principalmente quando a pergunta é direta assim, o que está acontecendo com você, não é? Então, nós temos que procurar alternativas de início de conversa, escapando disso, o que está acontecendo. Então, às vezes, aproxima bastante quando a mãe ou o pai contam também das suas dificuldades.


Olha, eu estou vendo que você está um pouco triste, eu também estou, apesar de que eu aparento menos, porque eu já sou adulta, eu já sei maquiar um pouco os meus sentimentos, mas eu estou tendo dificuldade nisso, naquilo, sinto falta disso. E você, sente falta de quê? Talvez isso facilite para alguns adolescentes. A maioria das pessoas envolvidas com o retorno às aulas hoje está em conflito, porque não há uma boa saída, não é? A gente não dá para dizer esta é a melhor saída.


Ambas as saídas, não ir para a escola ou ir para a escola, são um pouco prejudiciais e talvez igualmente. Então, ficar em casa, ainda no ensino remoto, ou ir para a escola é preocupante para a instituição escolar, para a família e para o próprio adolescente. Sim, a maioria deles quer voltar.


Nós temos alguns casos que estão muito afetados pela tristeza e já entrando na depressão, falando em suicídio. Esses hesitam em voltar por medo. O medo é mais um sintoma de congelamento, de paralisia.


Eu quero ir, mas eu tenho medo.



Fim


Fonte:

Video:  Rosely Sayão_ “O adolescente precisa muito de seus pares” in https://youtu.be/DO2hdpbYb2U

(Transcrito por TurboScribe.ai)