(567)_SOPA DE PEDRAS [Literatura] (Neide T. Maia Gonzales)




SOPA DE PEDRAS

(Conto de Artimanha)


Fonte: Conto de tradição oral traduzido e adaptado por GONZALES, Neide T. Maia, extraído de Contos populares para crianças da América Latina. Coedição latino-americana, pp. 8 a 15


Pedro Malasarte era um cara danado de esperto. Um dia ele estava ouvindo a conversa do pessoal na porta da venda. Os matutos falavam de uma velha avarenta que morava num sítio pros lados do rio. Cada um contava um caso pior que o outro:

- A velha é unha de fome. Não dá comida nem pros cachorros que guardam a casa dela - dizia um.

- Quando chega alguém pro almoço, ela conta os grãos de feijão pra pôr no prato. Verdade! Quem me contou foi o Chico Charreteiro, que não mente - afirmava outro.

- Eta velha pão-duro! - comentava um terceiro. - Dali não sai nada. Ela não dá nem bom-dia.

O Pedro Malasarte ouvindo. Ouvindo e matutando.

Dali a pouco entrou na conversa:

- Querem apostar que pra mim ela vai dar uma porção de coisas e de boa vontade?

- Tu tá é doido! - disseram todos. - Aquela velha avarenta não dá nem risada!

- Pois aposto que pra mim ela vai dar - insistiu o Pedro. - Quanto vocês apostam?

A turma apostou alto, na certeza de ganhar. Mas o Pedro Malasarte, muito matreiro, já tinha um plano na cabeça.

Juntou umas roupas, umas panelas, um fogãozinho, amarrou a trouxa e se mandou pra casa da velha. Era meio longe, mas para ganhar aposta o Malasarte não tinha preguiça.

O Pedro foi chegando, foi arranchando, ali bem perto da porteira do sítio da velha. Esperou um tempo pra ser notado. Quando viu que a velha já tinha reparado nele, armou o fogãozinho, botou a panela em cima, cheia de água, e acendeu o fogo. E ficou o dia inteiro cozinhando água.

A velha, lá da casa, só espiando. E a panela fumegando.

E o Pedro atiçando o fogo.

Não demorou muito, a velha não aguentou a curiosidade e veio dar uma espiada. Passou perto, olhou, assuntou e foi embora. O Pedro firme, atiçando o fogo.

No dia seguinte, panela no fogo, fervendo água, soltando fumaça. O Pedro atiçando o fogo. A velha olhando de longe, lá de dentro da casa.

Até que ela não conseguiu mais se segurar de curiosidade. Saiu e veio negaceando olhar de perto. O Pedro pensou: "É hoje!" Catou umas pedras no chão, lavou bem e jogou dentro da panela. E ficou atiçando o fogo pra ferver mais depressa.

A velha não se conteve:

- Oi, moço, tá cozinhando pedra?

- Ora, pois sim, senhora, dona - respondeu o Pedro. - Vou fazer uma sopa.

- Sopa de pedra? – perguntou a velha com uma careta. - Essa não, seu moço! Onde já se viu isso?

- Pois garanto que dá uma sopa pra lá de boa.

- Demora muito pra cozinhar? - perguntou a velha ainda duvidando.

- Demora um bocado.

- E dá pra comer?

- Claro, dona! Então eu ia perder tempo à toa?

A velha olhava as pedras, olhava pro Pedro. E ele atiçando o fogo, e a panela fervendo. A velha meio incrédula, meio acreditando.

- É gostosa essa sopa? – perguntou ela depois de um tempo.

-É - respondeu o Malasarte. - Mas fica mais gostosa se a gente puser um temperinho.

- Por isso, não - disse a velha. - Eu vou buscar.

Foi e trouxe cebola, cheiro-verde, sal com alho.

- Tomate a senhora não tem? - perguntou o Pedro.

A velha foi buscar e voltou com três, bem maduros.

Pedro botou tudo dentro da panela, junto com as pedras. E aticou o fogo. - Vai ficar bem gostosa - disse ele. - Mas se a gente tivesse um courinho de porco...

- Pois eu tenho lá em casa - disse a velha. E foi buscar.

Couro na panela, lenha no fogo, a velha sentada espiando. Dali a pouco ela perguntou:

- Não precisa pôr mais nada?

- Até que ficava mais suculenta se a gente pusesse umas batatas, um pouco de macarrão...

A velha já estava com vontade de tomar a sopa e perguntou:

- Quando ficar pronta, posso provar um pouco?

- Claro, dona!

Aí ela foi e trouxe o macarrão e as batatas.

O Malasarte atiçou o fogo pro macarrão cozinhar depressa.

Dali a pouco a velha já estava com água na boca!

- Hum, a sopa tá cheirando gostosa! Será que as pedras já amoleceram?

Em vez de responder, Pedro perguntou:

– A senhora não tem uma linguicinha no fumeiro? la ficar tão bom...

Lá foi a velha de novo buscar a linguiça.

Cozinha que cozinha, a sopa ficou pronta. Malasarte então pediu dois pratos e talheres, a velha trouxe.

O Pedro encheu os pratos e deu um pra ela. Separou as pedras e jogou no mato.

-Ué, moço, não vai comer as pedras?

-Tá doido! - respondeu o Malasarte. - Eu lá tenho dente de ferro pra comer pedra?

E tratou de se mandar o mais depressa que pôde. Foi correndo pra venda cobrar o dinheiro da aposta.




Fim