SOPA DE PEDRAS
(Conto de Artimanha)
Fonte: Conto de tradição oral traduzido e adaptado por GONZALES, Neide T. Maia, extraído de Contos populares para crianças da América Latina. Coedição latino-americana, pp. 8 a 15
Pedro Malasarte era um cara danado de esperto. Um dia ele estava ouvindo a conversa do pessoal na porta da venda. Os matutos falavam de uma velha avarenta que morava num sítio pros lados do rio. Cada um contava um caso pior que o outro:
- A velha é unha de fome. Não dá comida nem pros cachorros que guardam a casa dela - dizia um.
- Quando chega alguém pro almoço, ela conta os grãos de feijão pra pôr no prato. Verdade! Quem me contou foi o Chico Charreteiro, que não mente - afirmava outro.
- Eta velha pão-duro! - comentava um terceiro. - Dali não sai nada. Ela não dá nem bom-dia.
O Pedro Malasarte ouvindo. Ouvindo e matutando.
Dali a pouco entrou na conversa:
- Querem apostar que pra mim ela vai dar uma porção de coisas e de boa vontade?
- Tu tá é doido! - disseram todos. - Aquela velha avarenta não dá nem risada!
- Pois aposto que pra mim ela vai dar - insistiu o Pedro. - Quanto vocês apostam?
A turma apostou alto, na certeza de ganhar. Mas o Pedro Malasarte, muito matreiro, já tinha um plano na cabeça.
Juntou umas roupas, umas panelas, um fogãozinho, amarrou a trouxa e se mandou pra casa da velha. Era meio longe, mas para ganhar aposta o Malasarte não tinha preguiça.
O Pedro foi chegando, foi arranchando, ali bem perto da porteira do sítio da velha. Esperou um tempo pra ser notado. Quando viu que a velha já tinha reparado nele, armou o fogãozinho, botou a panela em cima, cheia de água, e acendeu o fogo. E ficou o dia inteiro cozinhando água.
A velha, lá da casa, só espiando. E a panela fumegando.
E o Pedro atiçando o fogo.
Não demorou muito, a velha não aguentou a curiosidade e veio dar uma espiada. Passou perto, olhou, assuntou e foi embora. O Pedro firme, atiçando o fogo.
No dia seguinte, panela no fogo, fervendo água, soltando fumaça. O Pedro atiçando o fogo. A velha olhando de longe, lá de dentro da casa.
Até que ela não conseguiu mais se segurar de curiosidade. Saiu e veio negaceando olhar de perto. O Pedro pensou: "É hoje!"
Catou umas pedras no chão, lavou bem e jogou dentro da panela. E ficou atiçando o fogo pra ferver mais depressa.
A velha não se conteve:
- Oi, moço, tá cozinhando pedra?
- Ora, pois sim, senhora, dona - respondeu o Pedro. - Vou fazer uma sopa.
- Sopa de pedra? – perguntou a velha com uma careta. - Essa não, seu moço! Onde já se viu isso?
- Pois garanto que dá uma sopa pra lá de boa.
- Demora muito pra cozinhar? - perguntou a velha ainda duvidando.
- Demora um bocado.
- E dá pra comer?
- Claro, dona! Então eu ia perder tempo à toa?
A velha olhava as pedras, olhava pro Pedro. E ele atiçando o fogo, e a panela fervendo. A velha meio incrédula, meio acreditando.
- É gostosa essa sopa? – perguntou ela depois de um tempo.
-É - respondeu o Malasarte. - Mas fica mais gostosa se a gente puser um temperinho.
- Por isso, não - disse a velha. - Eu vou buscar.
Foi e trouxe cebola, cheiro-verde, sal com alho.
- Tomate a senhora não tem? - perguntou o Pedro.
A velha foi buscar e voltou com três, bem maduros.
Pedro botou tudo dentro da panela, junto com as pedras. E aticou o fogo. - Vai ficar bem gostosa - disse ele. - Mas se a gente tivesse um courinho de porco...
- Pois eu tenho lá em casa - disse a velha. E foi buscar.
Couro na panela, lenha no fogo, a velha sentada espiando. Dali a pouco ela perguntou:
- Não precisa pôr mais nada?
- Até que ficava mais suculenta se a gente pusesse umas batatas, um pouco de macarrão...
A velha já estava com vontade de tomar a sopa e perguntou:
- Quando ficar pronta, posso provar um pouco?
- Claro, dona!
Aí ela foi e trouxe o macarrão e as batatas.
O Malasarte atiçou o fogo pro macarrão cozinhar depressa.
Dali a pouco a velha já estava com água na boca!
- Hum, a sopa tá cheirando gostosa! Será que as pedras já amoleceram?
Em vez de responder, Pedro perguntou:
– A senhora não tem uma linguicinha no fumeiro? la ficar tão bom...
Lá foi a velha de novo buscar a linguiça.
Cozinha que cozinha, a sopa ficou pronta. Malasarte então pediu dois pratos e talheres, a velha trouxe.
O Pedro encheu os pratos e deu um pra ela. Separou as pedras e jogou no mato.
-Ué, moço, não vai comer as pedras?
-Tá doido! - respondeu o Malasarte. - Eu lá tenho dente de ferro pra comer pedra?
E tratou de se mandar o mais depressa que pôde. Foi correndo pra venda cobrar o dinheiro da aposta.
Fim