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DESVENDANDO "A RELÍQUIA":
Uma Viagem Irreverente com Eça de Queirós
(por Rufo B. Mayer - professor e jornalista)
Olá, pessoal! Tenho uma missão hoje: descomplicar um clássico da literatura portuguesa: o romance "A Relíquia", do genial Eça de Queirós! E que bom que é um romance, porque assim a gente pode mergulhar numa história cheia de humor, crítica e personagens inesquecíveis. Então, peguem um cafezinho, sentem-se confortavelmente, e vamos papear sobre essa obra que, apesar de antiga (foi publicada em 1887), fala um monte de coisa que ainda vemos por aí.
QUEM É O RAPOSÃO DA HISTÓRIA?
O personagem principal é o Teodorico Raposo , um sujeito que, logo de cara, nos conta que quer escrever as memórias da sua vida, que ele e o cunhado acham que é uma "lição lúcida e forte". Ele é um jovem ambicioso, meio dissimulado, que vive sob a aba de sua tia, D. Patrocínio das Neves, uma beata fervorosa, cheia daquelas "santidades" que a gente desconfia. Teodorico, claro, quer a herança da tia, e para isso, precisa bancar o bom moço, o sobrinho devoto, o "temente a Deus". A vida dele é uma farsa constante para agradar à velha e garantir seu futuro financeiro.
A PEREGRINAÇÃO E AS "RELÍQUIAS"
A grande virada da história acontece quando a tia Patrocínio manda o Teodorico para uma peregrinação a Jerusalém. A ideia é que ele traga de lá uma "santa relíquia, uma relíquia milagrosa" para ela curar as doenças e se apegar nas aflições. Para Teodorico, essa viagem é a chance de ouro para se firmar como o herdeiro legítimo, mostrando sua fé e devoção.
Mas o nosso "Raposão" não é flor que se cheire. Durante a viagem, ele se encontra com um professor alemão, o Dr. Topsius. É com ele que Teodorico tem algumas das aventuras mais hilárias e reveladoras. A hipocrisia de Teodorico fica explícita: enquanto ele deveria estar focado em coisas sagradas, sua mente divaga para desejos mundanos e pecaminosos. Ele até tem um caso com uma mulher.
A parte mais engraçada (e irônica) é quando Teodorico se vê diante da "sacratíssima árvore de espinhos", que ele imagina ser a mesma de onde tiraram a coroa de espinhos de Jesus. E o que ele pensa em fazer? Levar um desses galhos para a tia como relíquia. Mas o douto Topsius, com toda a sua erudição, explica que os instrumentos da crucificação, com o tempo, viraram coisas comuns – o prego que transpassou as mãos de Jesus, por exemplo, hoje serve para prender tampas de caixão!
No final das contas, o que Teodorico traz de sua peregrinação não é a coroa de espinhos, mas uma "santa relíquia" bem diferente: a camisa de uma moça, Maria de Madalena. E como ele "prova" a autenticidade? Com uma carta, que ele mesmo falsifica, onde a tal Maria de Madalena atesta o "muito que gozaram" – o que ele, na sua esperteza, diz que significa o quanto ele gozou ao mandar orações e o quanto ela gozou em recebê-las no céu. Puro cinismo!
A CRÍTICA POR TRÁS DO RISO
"A Relíquia" é uma sátira, uma crítica ácida de Eça de Queirós à hipocrisia da sociedade da sua época, especialmente àqueles que usavam a religião como fachada para interesses pessoais e materiais. A tia Patrocínio representa a religiosidade cega e fanática, que valoriza mais as aparências e os rituais do que a verdadeira fé e caridade. Teodorico, por sua vez, é o oportunista nato, que se molda às expectativas dos outros para se dar bem na vida.
Eça, com sua escrita afiada e bem-humorada, nos mostra como a fé pode ser manipulada, como as pessoas se enganam (e são enganadas) por símbolos vazios, e como a busca por dinheiro e status muitas vezes supera qualquer valor moral. A linguagem de Eça é deliciosa: ele descreve as situações e os personagens de um jeito que a gente consegue "ver" e "ouvir" tudo, com diálogos que nos fazem rir e pensar ao mesmo tempo.
POR QUE AINDA IMPORTA HOJE?
Mesmo tendo sido escrita há mais de um século, "A Relíquia" continua superatual. Quantos "Teodoricos" e "Tias Patrocínios" a gente não conhece por aí? Pessoas que fingem o que não são, que se agarram a crenças sem questionar, ou que usam a religião (ou qualquer outra coisa) para benefício próprio. A obra de Eça nos convida a olhar com mais atenção para o mundo à nossa volta e a desconfiar das aparências.
É um livro que nos faz rir, sim, mas também nos faz refletir sobre a natureza humana, a falsidade social e os perigos do fanatismo, seja ele religioso ou de qualquer outro tipo. Leiam "A Relíquia"! É uma aula de literatura, de vida e de bom humor!
Fim
Fonte:
QUEIRÓS, Eça de. A Relíquia. S. Paulo: Publifolha, 1997. (Biblioteca Folha). Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro | http://www.bibvirt.futuro.usp.br.