Clique p/OUVIR 👉️🔉️
DESVENDANDO O MISTÉRIO DA ALMA:
Uma Conversa Descomplicada sobre Marguerite Porete
Amigos e amigas, hoje vamos bater um papo sobre uma figura fascinante e um tanto esquecida da Idade Média, que tem muito a nos ensinar até hoje. Esqueçam aquela imagem empoeirada de livros antigos! Vamos mergulhar na história de Marguerite Porete e entender por que a sua tese de doutorado ainda causa frisson entre os pensadores.
A história que vamos contar está recheada em um trabalho de doutorado da pesquisadora CECI MARIA COSTA BAPTISTA MARIANI, da PUC-SP, que se debruçou sobre uma obra que pode parecer densa, mas que, no fundo, fala de algo muito simples e profundo: a relação da gente com o divino.
QUEM FOI MARGUERITE PORETE E O QUE É O "ESPELHO DAS ALMAS SIMPLES"?
Imagine uma mulher inteligente e destemida lá pelo século XIII, na região da Renânia (onde hoje é a Alemanha). Essa era Marguerite Porete. Ela fazia parte de um grupo de mulheres chamado BEGUINAS.
Pensem nelas como uma espécie de "comunidade alternativa" da época. Elas viviam juntas, trabalhavam para se sustentar (teciam, bordavam, ensinavam), e praticavam a fé de um jeito mais livre, sem se prender às regras rígidas dos conventos tradicionais. Elas queriam viver o evangelho de um jeito simples, valorizando a experiência pessoal com Deus acima de tudo. Mas, claro, essa liberdade toda não agradava muito à Igreja oficial, que as via com desconfiança e até as perseguiu.
É nesse cenário que Marguerite escreve o seu grande livro: "O Espelho das Almas Simples" (Le Mirouer des Simples Ames). O nome "Espelho" já nos dá uma pista: era como um guia para a vida espiritual. Mas não pensem num livro de autoajuda comum. Era uma obra que misturava de tudo um pouco: religião, filosofia e até um "romance de amor" alegórico! Sim, um romance, mas não desses que a gente lê hoje. Era uma história simbólica sobre a jornada da alma para se unir com Deus. E o mais revolucionário: ela escreveu isso na língua do povo, não no latim da Igreja, para que todo mundo pudesse entender!
O GRANDE SEGREDO DE MARGUERITE: O ANIQUILAMENTO DA ALMA
No coração do livro de Marguerite está uma ideia que pode parecer assustadora à primeira vista: o "aniquilamento" da alma. Mas calma lá, não é sobre se destruir! Pelo contrário. Para ela, aniquilar-se significava se desapegar de tudo: da sua própria vontade, dos seus desejos, até mesmo das suas ideias sobre Deus. É como esvaziar-se de si mesmo para que Deus possa preencher tudo.
Marguerite dizia que a alma que se aniquila, ou seja, que se entrega totalmente, alcança a mais completa liberdade e um conhecimento profundo. Ela não tem mais vontade própria, é o próprio Amor Divino que age nela. Parece loucura, né? Como não ter vontade pode ser liberdade? Mas para ela, ao abrir mão do controle, a alma se tornava um canal para a ação de Deus, e isso era a verdadeira liberdade. Uma alma "aniquilada" tem uma autoridade divina, porque o que ela faz e sabe vem do Amor que a habita.
Essa ideia, como vocês podem imaginar, era um barril de pólvora. Dizer que a alma pode ter uma união direta com Deus, sem precisar de intermediários (como padres e rituais), era uma afronta direta à Igreja. Por isso, Marguerite foi acusada de heresia e, infelizmente, condenada e queimada viva em Paris, em 1310. É triste, mas sua coragem fez com que sua obra vivesse muito além dela.
DEUS É CORTESIA: UMA VISÃO REVOLUCIONÁRIA
Outra sacada genial de Marguerite, e que a tese destaca com carinho, é a sua visão de Deus. Enquanto a maioria das pessoas da época via Deus como um Pai todo-poderoso, um juiz severo e distante , Marguerite ousou dizer que DEUS É CORTESIA. Cortesia, delicadeza, doçura, bondade. Pensem bem, num mundo de hierarquias rígidas e de uma Igreja poderosa, ela apresenta um Deus que se aproxima com gentileza, que pede licença para entrar, que se revela no que é pequeno e insignificante.
Ela falava do "Loin-près", o Deus "Longe-Perto", que, mesmo em sua grandeza absoluta, se inclina para nós e nos transforma para a comunhão com Ele. Essa imagem de um Deus cortês era uma revolução poética e teológica!
POR QUE ESSA TESE É IMPORTANTE HOJE?
A tese da Ceci Maria Costa Baptista Mariani não é só para teólogos ou historiadores. Ela nos mostra que o pensamento de Marguerite Porete é um TESOURO PARA OS NOSSOS TEMPOS. Sabe por quê?
Hoje em dia, a gente vive num mundo que valoriza demais a razão, o controle, o que a gente pode provar cientificamente. A teologia moderna, muitas vezes, focou em explicar Deus de um jeito mais "racional" e "histórico", deixando de lado a parte mais "mística", aquela da experiência direta e pessoal com o divino.
O que a Marguerite Porete nos ensina, e que a tese resgata, é que a mística não é uma coisa à parte da religião, não é só para monges ou pessoas "iluminadas". A experiência mística, essa busca de um encontro profundo com Deus, deveria ser o coração da teologia e da fé. É um jeito de entender a fé que vai além das palavras e das regras, que leva a uma transformação de dentro para fora.
Em tempos de incertezas, de uma busca por sentido que muitas vezes se perde no individualismo, revisitar a Marguerite Porete é um convite para olhar para dentro, para se despojar do que não serve, e para reencontrar um Deus que não é só poder, mas também PURA CORTESIA E DELICADEZA. É uma teologia que nos convida à ousadia de uma liberdade que vem da entrega total, uma liberdade que, paradoxalmente, nos conecta profundamente com o mistério divino.
É um lembrete de que a fé não é só sobre o que a gente sabe na cabeça, mas sobre o que a gente vive no corpo, na alma, nas marcas que a experiência de Deus deixa em nós. Um convite a uma vida mais leve, mais entregue e, quem diria, mais livre.
Fim
Fonte: Tese de Doutorado de: Mariani, C. M. C. B. (2008). Marguerite Porete, teóloga do século XIII: Experiência mística e teologia dogmática em O Espelho das Almas Simples de Marguerite Porete. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.