(27)_Áudio] Igreja] Mariologia] Narração sobre a VIDA DE NOSSA SENHORA (Pe. Vasconcelos)



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HISTÓRIA DE NOSSA SENHORA
Pe. Vasconcelos

Ao começar contar a vida de Maria, surge uma dificuldade. Pouco falaram dela os que podiam falar, os evangelhos. Parece um apedido, pois gostando de meditar sozinha tudo que via e ouvia, rogou a deixassem no escondimento.

E deixaram. Bateremos às portas da tradição, evitando as da lenda. Maria deve ter nascido uns quinze anos antes de Jesus.

Seus pais, Joaquim e Ana, pios, pobres e felizes, saudaram com singular alegria o Natal da filha única. Viviam em Nazaré, aldeola do norte, casas brancas pousadas sem ordem no lombo das colinas, parecendo um brinquedo armado, linda como um presépio natural. Os sábios de hoje, estudiosos das profundezas do coração, não tem mais aquela poesia nem aquele romantismo que sentimos quando enxergamos uma criancinha.

Em Maria, porém, podiam olhar à vontade, pois a que acabava de nascer já trazia nove meses de união com Deus. Concebida sem pecado, só dela valia a expressão nasceu santa. Fala o evangelho de um voto que fizera de só agradar a Deus.

Tal voto supõe alma reta e coração maduro, levados ambos por uma singular humildade muito bem entendida naqueles tempos, evitar o matrimônio por não ser digna de ser a mãe do Messias. Os costumes, porém, dos tempos exigiam que se escolhesse um esposo e constituísse um lar. Entre a escolha e a habitação, devia passar um ano.

Nesse meio tempo, fatos de importância se deram com Maria. Um foi a anunciação, uma visita esplêndida e inesperada de um arcanjo do céu. Sabemos de cor as palavras da saudação.

São as mais conhecidas da terra, as mais repetidas dos velhos, das crianças, dos ricos e dos pobres, mormente dos doentes e atribulados. Seis meses depois de ter aparecido a Zacarias, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a Nazaré. Entrou o anjo onde Maria estava e disse “Eu te saúdo, cheia de graça.O Senhor é contigo.”

A estas palavras ela se assustou. Começou a pensar na saudação.

Mas o mensageiro lhe assegurou: “Não temas, Maria. Achaste graça diante de Deus. Conceberás, darás à luz a um filho, a quem porás o nome de Jesus.

Ele será grande, chamado Filho do Altíssimo. Deus nosso Senhor lhe dará o trono de seu pai Davi. Reinará eternamente sobre a casa de Jacó e seu reino não terá mais fim”.

Mas como se fará isto se eu não conheço homem algum? “O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te fará sombra. Por isto, o Santo que nascer será chamado Filho de Deus. Também tua prima Isabel concebeu um filho em sua velhice, já está no sexto mês, aquela que se dizia estéril, porque nada é impossível para Deus”.

Pois então, eis a escrava do Senhor, faça-se em mim, segundo a tua palavra. E o anjo se foi. Logo após a cena da anunciação, pôs-se Maria a caminho e dirigiu-se com pressa às montanhas.

Entrou em casa de Zacarias, saudou a Isabel. Esta, logo que ouviu a saudação de Maria, sentiu exultar o Filho no seio. Cheia do Espírito Santo, exclamou Isabel em altas vozes: “Bendita és tu entre as mulheres, bendito fruto do teu seio.

Em que mereci eu me viesse visitar a mãe do meu Senhor?” Cantou então Maria seu canto de triunfo. “Minha alma glorifica o Senhor e meu espírito rejubila em Deus meu Salvador. Lançou o olhar benigno à sua humilde serva.

Desde agora, todas as gerações me chamarão Bem-aventurada”.

Ficou Maria com Isabel uns três meses e depois se retirou à sua casa na companhia de José. Eram dois corações que iriam sofrer dois pequeninos martírios.

Melhor, um pequenino martírio dividido em dois corações, unindo dois em um só. Verificou José que sua esposa, antes de viverem juntos, havia concebido um filho. Como porém fosse homem justo e não a quisesse expor à ignomínia, pensou em abandoná-la secretamente.

Enquanto assim deliberava, apareceu-lhe um anjo em sonho e lhe disse: “José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua esposa. O que nela se gerou é obra do Espírito Santo. Dará a luz a um filho a quem porás o nome de Jesus, porque salvará seu povo dos seus pecados”.

Ia chegando o dia, atribulado o dia tão próprio dos dias de Deus. Naquele tempo, saiu um decreto de César Augusto para recensear todo o país. Foram todos se inscrever, cada um à sua cidade-pátria.

José partiu de Nazaré, cidade da Galileia, para Belém, cidade de Davi, na Judéia, pois era da casa da estirpe de Davi. Maria, sua esposa, estava grávida. Quando aí se achavam, chegou o tempo e deu à luz seu filho primogênito.

Envolveu-o em faixas, reclinou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem. Havia uns pastores naquela região que passavam a noite em claro, guardando rebanhos. De súbito, apareceu diante deles um anjo do Senhor e a glória de Deus cercou-os de claridade.

Tiveram grande medo, mas o anjo lhes disse: “Não temais. Anuncio-vos uma grande alegria para todo o povo. Nasceu hoje, na cidade de Davi, o Salvador, que é o Cristo e Senhor.

Isto vos servirá de sinal. Encontrareis o menino, envolto em faixas, deitado numa manjedoura”.

Logo, associou-se ao anjo uma grande multidão da milícia celeste, louvando a Deus, dizendo, “Glória a Deus nas alturas e na terra, paz aos homens de boa vontade”.

Depois que os anjos se foram, disseram entre si os pastores: “Vamos até Belém. Vejamos o que aconteceu e o que acaba de nos anunciar o Senhor”.

Foram a toda pressa.

Acharam Maria, José e o menino deitado numa manjedoura.

Todos os anos iam seus pais a Jerusalém para a festa da Páscoa.

Quando Jesus completou doze anos, subiram, segundo costumavam, por ocasião da festa.

Terminados os dias, regressaram. O menino Jesus ficou, porém, em Jerusalém, sem que seus pais notassem, julgando que viesse com os companheiros de viagem. Andaram caminho de um dia e procuraram-no entre os parentes e conhecidos.

Não o encontrando, voltaram a Jerusalém. Depois de três dias, acharam-no no templo, sentado entre os doutores, escutando-os, fazendo-lhes perguntas. Todos os que o ouviam pasmavam-se da sua inteligência e das respostas que dava.

Vendo-o, admiraram-se e sua mãe lhe disse: “Filho, por que nos fizeste isto? Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura cheios de aflição”. Respondeu-lhes ele: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que tenho de estar nas coisas de meu pai?”

Mas eles não atinaram com o sentido destas palavras.

Desceu Jesus com eles, foi a Nazaré, e lhes era submisso.

Sua mãe conservava tudo isto no seu coração. Crescia Jesus em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens. Durante a vida pública de Jesus, Maria ficou muito lá à parte, seguindo o costume do Oriente a respeito das mulheres.

Sabia dos fatos e de vez em quando era vista no meio deles, assim em Caná de Galileia. Celebravam-se umas bodas nesta cidade. Maria estava presente.

Jesus com seus discípulos foram também convidados. Chegando a faltar vinho, disse Maria a Jesus: “Não tem mais vinho”. Ao que Jesus lhe respondeu: “Senhora, que vamos nós dois fazer? Ainda não chegou minha hora”.

Disse a mãe de Jesus aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”.

Estavam ali seis talhas de pedra destinadas às purificações usadas pelos judeus, cabendo oitenta litros em cada uma. Ordenou Jesus: “Enchei de água as talhas”.

Encheram-nas até a beirada. Então lhes disse: “Tirai agora e levai ao mestre Sala”. Levaram.

Logo que ele provou a água convertida em vinho, não sabendo de onde viera, - só sabiam os serventes que haviam buscado a água -, chamou o esposo e disse: “Toda gente serve primeiro o vinho bom. E depois que os convidados beberam bastante, apresentam vinho inferior. Tu, porém, reservaste o melhor vinho para o fim”.

Duas outras cenas que nos contam os evangelhos mostram um Jesus aparentemente mudado com relação a sua mãe. Temos mistério à vista. Devemos acertar mais os olhos e descobrir as profundas intenções de Cristo.

Sua mãe já sabia não só das palavras do anjo e de José, mas mesmo das suas intérminas conversas com Deus, que seu filho não seria seu. Seria um presente do céu à terra, de Deus aos homens. Cada vez pois que alguém insistia na nota de Maria dona de Jesus, afirmando-se demais no mero parentesco, Jesus entrava em cena com aparente violência.

Afirmando o lado principal das coisas, o sobrenatural, não negava de sua mãe o que as palavras poderiam sugerir lidas por fora, na superfície.

Assim, chegaram certa vez, durante a pregação, alguns parentes de Cristo, inclusive sua mãe. Aproveitando o ensejo, insistiu Jesus, “parentes meus? Quem são os meus parentes, senão os que fazem as vontades do meu Pai que está nos céus?” Como se dissera: em minha mãe, não busquem apenas o que dá na vista, entrem no seu coração e verifiquem lá o parentesco espiritual que existe entre criatura e criador.

Com um enorme hiato de fatos e referências, o Evangelho só nos fala de Maria quando estava Jesus pregado à cruz no topo do Calvário. Ela estava lá, de pé, na generosa disponibilidade de quem ama e tende ficar calada e quieta, sem nada poder fazer, a fim de seu filho não sofrer tanto, nem morrer de tanto sofrer. São as grandes horas das mães.

Depois de ressuscitado, apareceu Jesus a diversos discípulos. Nada nos diz o Evangelho sobre Maria. Também aqui, a pedido da humilde virgem que preferia o escondimento.

Não é preciso ter fé para saber da aparição de Jesus à sua mãe. Basta ter razão, basta entender do amor.

Subido aos céus, recomendou Jesus aos seus não deixassem a cidade santa e ali se preparassem para a chegada do Consolador que lhes mandaria dentro de poucos dias.

Entre eles se encontrava a mãe de Jesus, presidindo a primeira diretoria da igreja, antes da posse oficial do Domingo de Pentecostes. Sinal de que Maria vivia no meio dos de Cristo, mãe entre filhos; advogada entre aflitos, exemplo vivo de Jesus para as infinitas saudades que iriam matar, um por um, todos os corações dos apóstolos.

Desapareceu Maria como aparecera, no silêncio, na serenidade de quem faz da morte o ato supremo da vida, se quiserem, mas um ato que vem logo depois do precedente, um de uma fila imensa, um como os outros.

Já seu coração não aguentava mais de saudade. Chamando-a junto a si ao céu, com corpo e alma, bem podemos suspeitar que da parte de Jesus urgiam boas saudades da sua mãe. Do alto dos céus, Maria trabalha mais por nós do que se estivesse visível ao nosso lado na Terra. Junto do seu filho, advoga a causa eterna de cada um, filhos que aceitou, filhos que ama, como só o pode fazer quem recebeu de Deus a missão de amar e de salvar.

Uma palavra resume tudo, continua sendo mãe.

* * *

Senhora do céu, quando a chamo de mãe, falo do mais fundo que há na senhora, falo do mais profundo que existe em mim. Muita coisa me roubou a vida, desde cedo, de todos os modos.

Jogado fui, fiz diabruras, imitei gente grande; tudo joguei no chão, gostando de pisar nas cercas que haviam plantado perto. Fui atrás dos que me pareciam libertos, apanhei, mas também dei muito. Dentro é que houve o pior, larguei de tudo, desacreditei, ri.

Moral passou a ser bobagem. Deus começou a não existir. Todos errados, menos eu. Debaixo, porém, dos meus escombros, como plantinha humilde que se ajeita nas pedras das ruínas, verifiquei que, com a senhora, eu fui diferente. Não ofendi, não tive coragem.

Evitei de olhar, de dizer, e de pensar. Muitos comentavam até. Não perdera o coração o seu primeiro amor à madrinha.

A medalha não saiu do peito, mesmo que nele entrasse, porque me haviam dado uma figa que dava sorte. Continuei a ser o de sempre, criança que gosta da sua mãe. Se não existia Deus, da senhora eu nunca duvidei.

A idade fez o que faz, a vida ensinou, cansei-me de não ser bom. Venho hoje agradecer a paciência que teve comigo. Foi seu silêncio de mãe que refutou o alarido dos meus argumentos de moço.

O fato de sempre a ter na hora em que precisava fez com que a gratidão se ficasse funda em mim como o derradeiro sinal de fé. A senhora não fez nada contra mim que tanto fiz contra a senhora. Foi sempre a mesma sua voz, sempre doces seus gestos, sempre meu, seu coração.

Seu amor de mãe em coisa alguma se vingou dos meus desamores religiosos. Isto é tão grande que nem entendo mais. Venho hoje ofertar-lhe não mais a cabeça, cansada como está, confusa como sempre foi.

Venho hoje trazer meu coração, o que há de menos ruim em mim. Faz tempo que eu notei, cada vez que lhe dava o coração, a senhora o recebia tão contente como se lhe estivesse dando coisa grande da terra, coisa bela do céu. Esta impressão de que, sem ele, a senhora não podia ser feliz, isto me tocou, isto me confundiu, isto ficou gravado em mim.

A oferta de hoje tem todas as vontades de ser definitiva. Tome de vez este coração. É o meu presente de filho fraco, um presente que não deve ter muito futuro pelos sinais que traz de passado.

Seu é, cuide bem dele, fazendo-o forte, puro e bom, como sabem fazer as mães, como a senhora fez com todos os que lhe deram o coração. Foi Deus quem a colocou na minha vida, a fim de nunca perder a sensação de ser criança, nem os direitos à confiança. Foi contemplando o rosto da senhora que tive a ideia de que devia existir algo muito grande, muito lindo, que quase nunca entendemos, que quase sempre ofendemos.

Depois de um tempo, notei que era isto o que tensionava fazer de mim, e foi realmente o que fez. Venho agradecer duas coisas a dois. Deus, obrigado pela mãe que me deu.

Senhora e mãe, obrigado pelo Deus que me restituiu. Amém.


Fim