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COMO A IA VAI MUDAR TUDO; INCLUSIVE VOCÊ
(Miguel Fernandes)
É irônico eu começar uma fala sobre inteligência artificial citando o Ailton Krenak, que é um dos críticos mais ferrenhos que eu conheço à nossa sociedade tecnológica. Para ele, o computador é uma máquina demoníaca e eu gosto muito de ler os livros dele porque ele me faz exercitar o pensamento crítico, que é uma das principais habilidades que a gente vai precisar desenvolver nessa era da inteligência artificial. Nesse livro que eu li dele, o último livro que eu li dele, chamado O Futuro é Ancestral, ele faz um ensaio sobre o rio.
O rio, para os povos da floresta, é fonte de vida. As terras ao redor do rio são férteis. O rio tem peixes suculentos que alimentam a população.
Mas, ao mesmo tempo, o rio é fonte de perigos. Se você entrar desavisadamente no rio, você pode ser levado pela correnteza ou você pode ser mordido por um crocodilo. E o sucesso da população, a felicidade daquela população que vive nas margens daquele rio tem a ver com a capacidade daquela população de estar adequada àquele ambiente, de estar sincronizada com aquele ambiente, de estar conectada com o ecossistema onde eles vivem.
E esse é um dos papéis do pajé do Ailton. Alertar as pessoas em relação aos perigos, alertar as pessoas em relação à necessidade de preservar aquele rio, em relação aos benefícios daquele rio. E quando eu li isso, eu fiquei pensando sobre a nossa vida e é por isso que eu conto essa história.
Nós não somos povos da floresta que vivemos à beira de um rio de água. Nós vivemos à beira de um rio de bits e bytes, na frente de muitas telas, na frente dos computadores. E a inteligência artificial, ela é esse novo rio.
Nós estamos nesse momento diante de um mar desconhecido, portanto que causa muito medo para muita gente, mas que precisa ser desbravado para que a nossa espécie humana consiga sobreviver. A inteligência artificial, ela é fundamental para a nossa sobrevivência e ao mesmo tempo ela é um risco para a nossa sobrevivência. E a gente tem que aprender a conviver com ela da melhor forma possível.
Em 97, o Gilberto Gil fez uma música que me marca até hoje e ele convidava quem ouvia a pegar a sua jangada e navegar na infomaré, navegar na internet. E é essa analogia que eu vejo hoje para a inteligência artificial. É um novo rio que a gente precisa aprender a navegar para que ele se preserve e que ele traga benefícios para a humanidade e não malefícios, que ele pode trazer, tem seus perigos.
Há 20 anos eu me preocupo em fazer as máquinas ficarem inteligentes. Eu trabalho com inteligência artificial há 20 anos. E há mais ou menos 6 anos eu me deparei com a dificílima tarefa de desenvolver inteligência no ser humano.
O meu filho nasceu e eu precisei ensinar ele a viver nesse mundo complexo que a gente vive hoje. E fui estudar educação, fui dar aula no ensino fundamental, fui dar aula no ensino médio. Recentemente eu estava dando uma palestra para alunos do ensino médio e um deles levantou a mão, esses do fundo, sabe? Ele levantou a mão e falou assim, não, Miguel, agora com a inteligência artificial se a professora pedir para eu fazer um dever eu posso ir da inteligência artificial, ele faz para mim e eu entrego para a professora.
Expertinho. Eu falei para ele, é verdade, você pode usar a inteligência artificial para fazer isso, mas você também poderia usar a inteligência artificial para... Imagina que, por exemplo, a sua professora de história pediu para você fazer uma redação sobre a Revolução Francesa. Por que ela pediu para você fazer uma redação sobre a Revolução Francesa? Para você aprender sobre a Revolução Francesa, refletir sobre ela e entender qual é o impacto daquele fato histórico que aconteceu séculos atrás na sua vida hoje e que é o impacto enorme, a sua vida seria completamente diferente se aquele evento histórico não acontecesse.
E você pode, de fato, pedir para a inteligência artificial escrever um texto, copiar e dar para a sua professora, ou você pode, por exemplo, pedir para a inteligência artificial incorporar o Napoleão Bonaparte e conversar com o Napoleão Bonaparte sobre como ele se sentiu durante a Revolução Francesa, o que ele estava pensando no 18 de Brumário. Você pode conversar com a Cleópatra, você pode conversar com Dom Pedro, você pode conversar com qualquer personagem histórico e aí você faz a sua redação contando como foi entrevistar o Napoleão Bonaparte. Quem vai ter aprendido mais? Quem vai tirar a melhor nota? Quem vai ganhar mais dinheiro ou ter melhores salários na hora que for para o mercado de trabalho? É aquele aluno, é aquela pessoa que mantém viva a curiosidade e, de novo, o pensamento crítico, que você continue usando a inteligência artificial para refletir sobre o que acontece à sua volta e sobre o que o seu professor está querendo que você aprenda.
Tem um estudo do MIT que o professor dividiu a turma em dois grupos. Um dos grupos precisava resolver o exercício usando a inteligência artificial, o outro grupo precisava resolver o mesmo exercício sem usar a inteligência artificial. Qual foi o resultado? O grupo que usou a inteligência artificial resolveu muito rápido, muito mais rápido.
O grupo que não usou a inteligência artificial demorou mais tempo, mas resolveu também. Chegou no resultado parecido. Conclusão, a inteligência artificial é muito melhor porque você resolve o problema muito mais rápido com ela.
Muito bem, passou uma semana e esse mesmo professor foi perguntar para os alunos sobre aquele exercício que eles fizeram na semana anterior. E os alunos que usaram a inteligência artificial não lembravam do exercício, não lembravam a solução, não lembravam o problema, não lembravam do que eles fizeram. E quem não usou a inteligência artificial lembrava com minúcias de detalhe da angústia de não ter a resposta pronta, do processo de encontrar a resposta, dos erros que eles cometeram, ou seja, eles aprenderam.
A inteligência artificial está a serviço da eficiência, mas nem tudo na nossa vida é para ser eficiente. O processo de aprendizado é uma ineficiência do nosso cérebro tentando assimilar um conhecimento que a gente não sabe muito bem como vai assimilar. A gente precisa errar para aprender.
E muitas vezes a inteligência artificial, por ser essa tecnologia tão sedutora, pode limitar a nossa capacidade de aprender porque ela vai nos dar uma resposta pronta e não vai deixar a gente se angustiar e se debruçar sobre aquele problema que a gente quer resolver. Eu fui fazer um texto recentemente para a minha coluna, um artigo que eu estava escrevendo, onde eu queria fazer um paralelo entre as leis de Newton e o mundo corporativo. E pedi lá para a inteligência artificial, faz um texto fazendo um paralelo entre as leis de Newton e o mundo corporativo.
Aí chegou lá, começou a inteligência artificial. Primeiro a lei de Newton, segunda a lei de Newton, terceira a lei de Newton, quarta a lei de Newton, quinta a lei de Newton, sexta... Aí eu comecei a... Tem alguma coisa errada, né? Aí eu falei para ela, parei, pedi para ela parar de falar, não tinha fim as leis de Newton. Pedi para ela parar e falei assim, ó, tem alguma coisa errada, porque não tem tantas leis de Newton.
Ela, como sempre, muito educada, ah, é verdade, me desculpe pelo equívoco e tal, e fez corretamente. Se eu tivesse feito o que muita gente tem feito, que é um erro enorme, simplesmente pegado o que ela me deu e publicado, eu estaria usando a inteligência artificial para ser um grande burro, dizendo que Newton tem seis, sete, oito leis. E esse é mais um exemplo da importância do pensamento crítico quando você usa a inteligência artificial.
A inteligência artificial é treinada, é desenvolvida para produzir textos muito convincentes e muito sedutores, que nós humanos adoramos ler. A mesma coisa vale para a imagem, tudo o que você vê em uma tela hoje pode ter sido gerado por inteligência artificial, tudo, qualquer vídeo, qualquer imagem, qualquer pessoa gesticulando, a inteligência artificial é essa tecnologia capaz de imitar o ser humano em uma tela, de forma que nós, humanos, não conseguimos mais perceber a diferença. Então, é muito importante você exercitar o pensamento crítico quando você usa a inteligência artificial.
O viés não está só na inteligência artificial, está em quem usa também. Uma professora de português me contou essa história que eu achei incrível. O aluno chegou para ela, até hoje esse livro está na Emmental, quando estava no ensino médio, eu li um livro do Machado de Assis chamado Dom Casmurro, onde há uma potencial traição da Capitu em relação ao Bentin.
E o aluno chegou todo feliz para a professora e dizendo, professora, professora, eu descobri que a Capitu traiu o Bentin, eu pesquisei na internet e ninguém sabia, mas eu descobri que ela traiu. Professorão, como assim você descobriu? Não, esperto, eu pedi para a inteligência artificial se comportar como a Capitu, e eu conversei com ela, e ela me confessou, ela confessou que traiu o Bentin. Aí a professora ficou desconfiada e falou, deixa eu ler aqui os seus prompts, os seus comandos.
E quando ela foi ver os comandos, ela percebeu que o garoto induziu a inteligência artificial a dar a resposta que era a interpretação dele sobre a história. E quando ele chega e fecha a história, ele tira a maior beleza que é o livro, que você não saber se Capitu traiu o Bentin. E você pode ler isso com 15 anos e ter uma interpretação, você pode ler com 30 e ter outra interpretação.
Esse não é um problema que a gente precisa resolver, e muito menos de inteligência artificial para resolver. Você perde a oportunidade de deixar sua imaginação decidir, no final de contas, o que aconteceu. Um dos maiores aprendizados que o meu filho me deu foi de contemplar a vida, foi de contemplar a natureza.
Eu sempre fui muito nerd, videogame, computador e tela, e ele gosta muito de ver o pôr-do-sol. Acho que uma das coisas que ele mais gosta é ver o pôr-do-sol. E o pôr-do-sol se põe num horário que eu preciso estar escrevendo os meus textos, resumindo as notícias de inteligência artificial para publicar.
E o Joaquim nesse dia, o Joaquim, o nome do meu filho, ele virou para mim e falou, papai, o sol está indo dormir, a gente tem que dar tchau para o sol, preocupadíssimo. Eu falei, calma, Joaquim, eu preciso fazer uma coisa. Não, mas o sol vai dormir e tal.
Pera aí. Aí eu fui para o computador e configurei um robô com inteligência artificial que foi ler para mim todas as notícias nos sites que eu costumo ler e fazer um resumo dessas notícias. Ficou lá a inteligência artificial trabalhando para mim, eu saí, nós vimos o pôr-do-sol, e quando eu voltei, a inteligência artificial estava terminando de resumir a última notícia.
Quando eu cheguei e olhei aquilo, eu organizei o texto, me aprofundei no que eu queria me aprofundar, fiz o meu texto, e depois fiquei refletindo sobre isso. É a primeira vez que uma tecnologia me dá tempo de exercer a minha humanidade. Não faz o menor sentido eu desenvolver uma inteligência artificial que vai contemplar o sol ou que vai sentir amor por uma criança ou pelo seu filho, e eu sempre vivi numa correria muito grande, de ter que entregar aos trabalhos, de ter que fazer as coisas e não ter tempo para nada, mas agora eu encontro na inteligência artificial a possibilidade de exercer a minha humanidade na minha plenitude, porque enquanto eu estou vendo o pôr-do-sol, eu sei que tem uma máquina fazendo uma parte do trabalho que para mim é enfadonho, eu odeio resumir texto de notícia, eu acho isso muito chato, mas a inteligência artificial pode fazer para mim.
Muita gente tem medo da inteligência artificial, muita gente é ingênua em relação à inteligência artificial, e resgatando o que eu falei lá no começo, não adianta você ter uma visão de medo e portanto não usar, ou ingênua e usar de qualquer jeito, você precisa usar a inteligência artificial sobre uma perspectiva de como ela vai melhorar a sua vida, e ela melhora a minha vida, ela pode melhorar a sua vida, dependendo da forma como você encarar a inteligência artificial. Ela é artificial, ela foi criada por seres humanos, e ela é uma tecnologia que vai finalmente nos ajudar, dependendo da nossa perspectiva sobre ela, a ser mais humanos. Obrigado.
Fim
Fonte: TED-São Paulo
https://youtu.be/C38xlWnkezQ