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O CÓDIGO CIVIL VAI MUDAR
Por: Taís Bilenk
Taís Bilenck, você andou estudando e conversando com várias pessoas sobre mudanças que estão sendo cogitadas no Código Civil Brasileiro e, embora Código Civil seja uma palavra assim um pouco indigesta, ela afeta diretamente a vida das pessoas, né? O que está em risco?
O Código Civil é uma lei que tem 2.070 artigos, eu não sei nem o tamanho, se for imprimir isso, que tamanho que tem, mas certamente...
Indigesta é pouco.
É grande.
E ela trata da vida das pessoas, de todos nós, desde antes da gente nascer até depois que a gente morre.
Por exemplo, o nascituro, que é o bebê antes de nascer, ele já tem direitos previstos no Código Civil.
Ele tem direito à herança.
O Código Civil fala sobre contratos, empresas, indenizações, família e herança.
Ou seja, é muita coisa.
A Taís Seco, professora de Direito Civil na Universidade Federal de Lavras, conversou longamente comigo para explicar o que está acontecendo.
E ela coloca, ela pontua, por exemplo, que foi uma solução histórica de vários países do Ocidente de codificar, fazer um Código Civil no século XIX, porque antes todas essas regras no ordenamento jurídico eram dispersas e incongruentes.
Então, uma regra contradizia a outra.
Então, no século XIX, decidiram arrumar essa bagunça em vários países e fazer códigos civis.
Então, o Código Civil francês é do Napoleão, 1804.
O Código Alemão é de 1900.
O Italiano, 1942.
São códigos previstos para durarem séculos, tamanha a missão que está lá dentro.
O Brasileiro é de 2002.
E, no entanto, já está sendo revisto.
Em 2023, o Rodrigo Pacheco, senador pelo PSD de Minas, era presidente do Senado, criou uma comissão para atualizar e revisar o Código Civil Brasileiro.
E aí, criada a comissão, 40 juristas chamados para compor passam a debater o Código Civil e escolhe-se o advogado e professor Flávio Tartussi para ser o relator geral.
O Flávio Tartussi é um civilista conhecido lá de Passos, Minas Gerais, mesma cidade onde o próprio Pacheco cresceu.
E ele é um dos dois relatores gerais da comissão para revisar o Código Civil.
Esse relatório final é aprovado em abril de 2024.
E, no final do ano, ato final do Rodrigo Pacheco como presidente do Senado é apresentar um relatório para fazer o anteprojeto que foi votado na comissão virar um projeto de lei para tramitar no Senado Federal.
Então, só para recapitular, ele cria uma comissão de juristas que fazem um debate em menos de um ano sobre todo o Código Civil, seus mais de 2 mil artigos, entregam um relatório final e o Pacheco transforma o relatório final num projeto de lei que ele apresenta para o Senado debater.
Agora, em abril, vai ser apresentada a comissão legislativa para começar essa tramitação.
A reforma propõe a alteração de mais de mil artigos dos mais de 2 mil artigos que tem o Código Civil, acrescenta artigos novos que não existem.
É uma complexidade do tamanho de um Código Civil.
São milhares e milhares e milhares de páginas de direitos que dizem respeito a todo mundo sendo discutidos e tem muita gente, como a Thaís, criticando o assodamento com que isso foi dado, considerando que códigos civis duram séculos em boa parte dos países cujas doutrinas em direitos são referenciais para o Brasil.
Se você faz uma bobagem, ela fica permanente ali por gerações.
Fica permanente, mas a jurisprudência hoje já corrigiu coisas que o Código Civil não previu porque a sociedade é viva.
Então, por exemplo, a União Homofativa, que não estava prevista no Código Civil, a jurisprudência passou a adotar.
Então, de alguma forma, o direito tem recursos para driblar certas leis e artigos que caducam.
A questão que está posta é que o Código Civil é muito complexo porque ele abrange a vida privada das pessoas nas questões mais fundamentais e é muito difícil, em menos de um ano, você revisar tantos artigos assim.
Dá um exemplo para a gente de alguma coisa que seja fundamental na vida das pessoas que corre o risco de mudar.
Bom, o primeiro exemplo que eu vou dar aqui é sobre um artigo que fala de planejamento familiar.
E aí, no parágrafo primeiro desse artigo, primeiro A, eles redigiram a seguinte lei.
Aí esse artigo foi redigido dessa forma e foi levado a debate na Comissão dos Juristas para debater o Código Civil.
Em dado momento, chica daqui, chica dali, o pessoal da extrema-direita começou a dizer que era um artigo abortista.
E aí os relatores, inclusive o relator geral, falaram não, nós somos concepcionistas, essa compreensão de vocês não se aplica, a gente não está falando de aborto.
E aí falaram, não, então vamos tirar esse trecho, vamos deixar uma coisa mais objetiva.
Eles falaram, não, a gente quer manter.
E aí uma das juristas da comissão falou, bom, o que vocês estão querendo colocar aí é para proibir comércio de gametas.
Falaram, sim, é isso mesmo.
Por quê? Porque a potencialidade de vida humana pré-uterina são os gametas.
A vida humana pré-uterina são os embriões.
E a vida humana uterina são os fetos.
E aí falaram, mas por que a gente não redige assim, com essa linguagem? E dizer que a gente está dizendo que é proibido, é vedado o comércio de gametas.
E aí falaram, não, a gente quer escrever essa redação, que é a redação que foi colocada no anteprojeto, no relatório final, que é essa.
O que tem de problemático aí, Toledo? A Thais Secco levanta.
Naquele caso, que é mais de um, infelizmente, de meninas menores de idade abusadas que precisam ser encaminhadas para aborto..
São crianças grávidas, vítimas de estupro.
Elas precisam de autorização dos seus pais para poderem realizar o aborto.
Nem sempre os pais têm, enfim, às vezes eles têm visões religiosas que proíbem de foro íntimo a realização do aborto.
E aí precisa de uma intervenção do Ministério Público, por exemplo.
Esse artigo, ele está reforçando...
Do jeito que ele está ou do jeito que eles querem mudar? Do jeito que eles querem mudar, a responsabilidade, a paternidade e maternidade responsável pela potencial de vida humana, inclusive pré-uterina e uterina.
Ou seja, os pais da criança engravidada por uma violência teriam mais poder de decisão do que o Ministério Público.
É, não, é que se os pais, por exemplo, são contrários ao aborto e não conseguem aceitar que a filha faça um aborto vítima de estupro, o Ministério Público pode ser chamado a intervir.
E o Ministério Público tem que se basear no regramento.
E o regramento aqui deixa em aberto, porque a redação do texto, como foi feita, está falando de paternidade e maternidade responsável, não está sendo objetiva.
E o que o Tartuci responde? Ele foi questionado sobre isso no podcast Onze Supremos.
Ele responde, isso é código penal, não é código civil.
A gente não pode usar o código civil para uma decisão de direito penal.
Mas o que a Thaís Seco e muitos civilistas que fazem coro a essa visão estão dizendo é que várias vezes você usa uma lei para dar reflexo numa outra lei para um outro caso.
E a gente viu isso acontecer diversas vezes, inclusive nessa questão do aborto.
Uma redação subjetiva, ambígua, como essa, pode dar margem para decisões de juízes que estão lá na primeira instância, entendeu? Decidindo com base nas suas próprias concepções e visões de mundo.
Se eu entendi bem, então, essa mudança que é aparentemente inócua no código civil, ou que tentam vender como inócua no código civil, deixando ele mais ambíguo, abriria maiores possibilidades para magistrados, pais, políticos e defensores da política contra o aborto de tomarem decisões que impediriam a interrupção de gravidez de crianças, por exemplo, que sofrem uma violência.
Por exemplo, você lembra a Damares Alves, ministra da Mulher do Bolsonaro, indo para a porta do hospital para impedir aquela menina que tinha sido engravidada, vítima de estupro, de fazer o aborto.
Fez uma campanha, foi uma história que chocou o país.
Sempre fazendo reverência a passagens de leis, a trechos e artigos.
Esse artigo, segundo a própria comissão de juristas discutiu, ele visa impedir o comércio de gametas, mas eles estão colocando no texto outra coisa.
Eles estão colocando sobre a potencialidade de vida humana pré-uterina, vida humana pré-uterina e vida humana uterina.
E a responsabilidade materna e paterna.
Eles estão dando uma redação para um artigo que pode ser usado, como já foi em outros artigos, outras redações, usadas para fazer causas.
Então, tem que ser debatido.
A posição da Thais é, não é hora de revisar o código civil, mas uma vez revisando, então revisa com o tempo que precisa, ouvindo as pessoas que discordam e apontando a gravidade de determinadas decisões.
Ou seja, não vamos colocar jabutis na forquilha rapidamente, apressadamente, sem ninguém perceber.
E assim vai, Toledo.
São artigos e mais artigos.
Tem um artigo sobre pensão alimentícia bastante complexo, sobre o pagamento de alimentos para filhos depois da separação de um casal.
Eles incluíram aí, neste artigo, filhos e dependentes.
Por dependentes, o que se entende? Pessoas que passaram a depender dos dois cônjuges daquela relação.
Então, a Thais Seco dá um exemplo, por exemplo, se eu estabelece uma união estável com uma pessoa.
A mãe dessa pessoa é idosa e passa a precisar de ajuda para caminhar na rua, tomar um banho de sol, se alimentar.
E eu me envolvo com ela, me torno amiga dela, passo a fazer isso com ela, ajudá-la no cuidado do dia a dia.
Mas, em dado momento, eu me separo do filho dela.
Essa revisão do Código Civil, essa reforma que eles estão propondo, coloca que, com o fim de uma união estável, de um casamento, os dois cônjuges têm que compartilhar o convívio e as despesas dos filhos e dependentes.
Então, o filho, o ex-marido, pode alegar que eu, que essa sogra, que a mãe dele, passou a ser minha dependente.
Então, que eu preciso continuar prestando esse apoio a ela, por exemplo, apesar da separação.
Quer dizer, então, que os nossos nobres deputados e senadores, no caso, estão querendo dizer que sogro e sogra é para sempre.
Exatamente isso que eles estão querendo dizer.
E, assim, sogra e sogro é um exemplo, mas, por exemplo, um enteado, ou, enfim, como é que você classifica dependente, entendeu? É muito subjetivo.
Assim como eles estão dizendo sobre o direito de compartilhar animais de estimação.
A Thais fala, poxa, isso é da vida privada, as pessoas precisam também ter liberdade para decidirem e se resolverem entre si, é da vida própria, não dá para o Estado, né? Pensão para cachorro? O Congresso, daqui a pouco, vai virar pensão para cachorro.
É nessas horas que a gente percebe como a cobertura que a gente faz do Congresso Nacional é insuficiente, né? Porque eles definem as nossas vidas e a gente nem fica sabendo.
É isso que está acontecendo e agora a comissão vai ser instalada, você pode ir lá ficar fazendo acampamento na comissão de reforma do Código Civil.
Fim
Fonte: vídeo intitulado "Novo Código Civil: Mudança no texto pode criar ‘sogra para sempre’; entenda" in: https://youtu.be/OjHrNivsdrw (31/03/2025)
Transcrito por TurboScribe.ai.
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