🔉️(762)_DENÚNCIA SOBRE MISÉRIA, EXPLORAÇÃO E INJUSTIÇA NA AMAZÔNIA (24-Nov-2023)

 



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DENÚNCIA SOBRE MISÉRIA, EXPLORAÇÃO E INJUSTIÇA NA AMAZÔNIA

24-Nov-2023


Resumo:

Neste poderoso e comovente discurso, uma mulher indígena da região Norte do Brasil denuncia a exclusão, o descaso e a manipulação política que têm condenado povos indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais à miséria. Ela relata como foi ensinada a amar a bandeira do Brasil, mas viu sua identidade rejeitada e seu povo esquecido. Critica organizações que, com recursos internacionais, intervêm nas políticas públicas sem trazer melhorias reais às comunidades, impedindo até mesmo o plantio e o acesso à comida. Relembra a fome, a prostituição infantil, o abuso sexual e a violência enfrentada por meninas e mulheres do Norte, enquanto elites se beneficiam de recursos internacionais em nome da preservação ambiental. A fala é um clamor por dignidade, respeito e soberania, expondo o contraste entre discursos oficiais e a dura realidade dos que vivem esquecidos na floresta. Ela exige justiça, desenvolvimento e igualdade para seu povo, revelando a dor de quem teve sua voz e cultura silenciadas por interesses externos disfarçados de proteção.


* * *


Senhor Márcio Santilli, Há alguns anos atrás, pouco mais que 40 anos, esta mulher indígena escutou da boca de um professor que ela era verdadeira brasileira e me foi ensinado numa escola o valor de uma bandeira. A bandeira do meu país. E este professor, ele me falou sobre os vultos sagrados da história que ajudaram a fundamentar este país como uma nação.

E eles disseram pra mim que eu podia ser tão bom quanto eles. Me ensinaram a amar a bandeira deste país como a minha verdadeira identidade. Como a identidade de cada um desses senadores nesta casa.

Como a identidade de todos os deputados federais na Câmara Federal. Eu passei 30 anos da minha vida pra conseguir realizar um sonho de achar a bandeira do meu país. Mas a minha fala, de onde eu vim, não era permitida.

Só as crianças brancas e as crianças não indígenas podiam fazer isso. E o senhor declarou aqui que não mantém contratos com o governo brasileiro, mas recebe dinheiro internacional. E esse dinheiro internacional, olhe pra mim quanto indígena.

Olhe pra mim enquanto brasileira. Eu sou uma mulher do Norte e eu vejo o labor e a dificuldade de todo um povo. Tudo isso que o senhor ganha, que o seu instituto ganha, ele tem atuado contra o desenvolvimento do meu país.

Da minha bandeira, do meu povo que está esquecido no meio da mata e que passa fome. E com que autoridade o senhor intervém nas políticas públicas do meu país e se acha no direito de me condenar à miséria? O senhor não nos deixa plantar. Os senhores receberam 11 milhões, 685 mil 843 reais para a implementação do plano de gestão territorial na terra indígena do Xingu e em terras Yanomamis.

Mais de 11 milhões em 2016 para atuar com segurança alimentar. E porque até hoje nós passamos fome. Ah, foram distribuídos cestas básicas? Pra quê? Se nem panela podemos ter.

Porque isso vai interferir na nossa cultura, porque nós temos que ficar presos em 1500. Pra quê? Pro senhor ganhar milhões e milhões de outros países pra me condenar a viver no passado pra que o senhor continue bebendo a sua água gelada, vestindo a sua roupa. Por que nos condenaram? Acharam que todos nós poderíamos viver o tempo inteiro no passado e que eu, ou que ela, ou qualquer um de nós que já estivemos aqui nessa CPI não pudéssemos estar aqui? Os senhores podem entrar em nossas terras, os senhores com dinheiro internacional atuam nesse país, mas as forças armadas não podem atuar.

Já que os senhores apoiam o veto do Marco Temporal, artigo 20 e 21 proíbe a instalação de bases militares ou até a atuação das forças armadas neste território. Meu país! Minha gente! Meu povo! Ele também é meu povo, ele é brasileiro, mas o que eu vejo? Esse tipo de política condenando pessoas do Norte à fome e à miséria? Vocês acham que eu não vejo? Ou que o povo brasileiro não está vendo o que hoje está acontecendo no Norte? Homens e mulheres sendo condenados. A miséria é em nome de dinheiros e estudos vindos de outro país.

Outro país! Eu lutei para ser brasileira, para ter uma identidade. Como posso aceitar que uma pessoa que nasceu também neste território aceite esse dinheiro para intervir? E condenar a nós, a mil e quinhentos? Os senhores não lutam pelo nosso direito quando nos impedem de abrir uma estrada para pedir socorro? Para pedir socorro? Temos tantas denúncias. Isa manipulou todo o processo demarcatório para assegurar demarcação de terras indígenas no Rio Negro 2, a ponto de fazer o presidente da FUNAI, Márcio Meira, indicar sua mulher, Lúcia Ruzak Van Houten, como antropóloga responsável pela identificação de uma terra indígena no médio Rio Negro.

Obrigada por proteger o meio ambiente. Obrigada por, como eu ouvi declararem aqui, a proteger os povos indígenas. De que? De outros brasileiros? Do garimpeiro! Os senhores acusaram os garimpeiros.

Isso é uma desonra ao estado de Minas Gerais. Uma grande potência econômica. Mas o senhor bebe água gelada.

O senhor, possivelmente, pede comida para a IFUD. Mas faz questão que o meu povo enfrente à mão uma onça? Uma queixada. O senhor vai almoçar hoje.

E eu espero que coma bastante carne. Mas existem muitos indígenas passando fome por conta de sua atuação. Olhe para mim.

Eu sou uma mulher do norte, que vejo mulheres, meninas se prostituindo, meninos sendo vendidos para abuso sexual. E o senhor se acha no direito de receber dinheiro internacional para que eles decidam o meu futuro, o futuro do meu povo, não só indígena, mas do norte, da Amazônia. O senhor chegou aqui e falou muitas, muitas das suas próprias verdades.

Mas esses milhões não aplacaram a nossa fome. Não diminuíram o nosso tempo técnico, científico, o nosso tempo cronológico. Minha mãe nem fala português.

O meu pai mal fala português. Meu irmão luta para aprender português dentro de uma universidade e há poucos dias disse para mim que queria se matar porque ficou reprovado em português. Vocês nos condenaram a viver no passado para continuarmos sendo subjugados.

E usa esse dinheiro contra o meu país, contra a minha gente, contra o povo do norte. Senadores, me perdoem. Eu fui tão tecnicamente doce nas outras intervenções, mas é impossível permanecer em silêncio sem com que eu não sinta a dor da fome e da miséria que aplaca o povo do norte, que fez com que esses homens que representam seus estados e o povo brasileiro lutassem para que a verdade fosse exposta neste congresso.

Eu sou uma mulher brasileira, uma uaiampi, uma mulher do norte, uma mulher da Amazônia brasileira que hoje estudou e está nesse parlamento, que bebe água gelada, que come outras carnes e que quer que o seu povo tenha a mesma dignidade que eu tenho e que o senhor tem. Ainda há tempo, ainda há tempo dentro do teu íntimo e da tua espiritualidade para que tu olhes pra mim como uma mulher que sofreu violência sexual, que vê meninas sendo vendidas pela própria família dentro do norte brasileiro, mulheres rebeirinhas vendendo suas próprias filhas, porque seus estudos nos condenaram à miséria, dinheiro de outro país roubando a minha identidade, a minha nacionalidade. Ainda há tempo, se tu quiseres, pra tu seres brasileiro e lutar por este país, tu defendes a árvore pra que eu seja condenada ao estupro debaixo dela.

É isso que defendes. Mas não é a nós, povos indígenas. Não é o meio ambiente, é o teu próprio bolso.

Apenas o teu.


Fim

Fonte: Áudio do vídeo da CPI

(Transcrito por TurboScribe.a)