O MENINO NO ESPELHO
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Levantava a perna, e ele levantava também, ao mesmo tempo. Abria os braços, e ele fazia o mesmo. Coçava a orelha, e ele também.
Mas o que mais me intrigava era a única diferença entre nós dois. Sim, porque um dia descobri, com pasmo, que enquanto eu levantava a perna esquerda, ele levantava a direita; enquanto eu coçava a orelha direita, ele coçava a esquerda. Reparando bem, descobria outras diferenças. O escudo da escola, por exemplo, que eu trazia colado no bolsinho esquerdo do uniforme, na blusa dele era no direito.
Para testar, coloco a mão direita espalmada sobre o espelho. Como era de esperar, ele ao mesmo tempo vem com a sua mão esquerda, encostando-a na minha. Sorrio para ele e ele para mim.
Mais do que nunca me vem a sensação de que é alguém idêntico a mim que está ali dentro do espelho, se divertindo em me imitar. Chego a ter a impressão de sentir o calor da palma da mão dele contra a minha. Fico sério, a imaginar o que aconteceria se isso fosse verdade. Quando volto a olhá-lo no rosto, vejo assombrado que ele continua a sorrir. Como, se agora estou absolutamente sério?
Um calafrio me corre pela espinha, arrepiando a pele: há alguém vivo dentro do espelho! Um outro eu, o meu duplo, realmente existe! Não é imaginação, pois ele ainda está sorrindo, e sinto o contato de sua mão na minha, seus dedos aos poucos entrelaçarem os meus.
Puxo a mão com cuidado, descolando-a do espelho. Em vez da outra mão se afastar, ela vem para fora, presa à minha. Afasto-me um passo, sempre a puxar a figura do espelho, até que ela se destaque de todo, já dentro do meu quarto, e fique à minha frente, palpável, de carne e osso, como outro menino exatamente igual a mim.
- Você também se chama Fernando? - pergunto, mal conseguindo acreditar nos meus olhos.
- Odnanref - responde ele, e era como se eu próprio tivesse falado: sua voz era igual à minha.
- Odnanref?
Sim, Odnanref. Fernando de trás para diante. Era em tudo semelhante a mim, menos em relação à direita e à esquerda, que nele eram ao contrário, sendo natural, pois, que seu nome, isto é, o meu, fosse ao contrário também. Por uma coincidência, Odnanref era o meu nome de guerra, na sociedade secreta Olho de Gato.
- Por isso mesmo - confirmou Odnanref, dando-me um tapinha nas costas e rindo, feliz: Foi você que me desencantou, adotando o meu nome. Senão eu jamais teria vindo, pois a lei do mundo dos espelhos proíbe terminantemente que a gente venha ao mundo de vocês. A menos que alguém consiga desvendar o nosso encanto. O meu era esse, e você adivinhou. Eu só estava esperando que você me puxasse, como acabou de fazer. [...]
Deslumbrado com a perspectiva de ter alguém igual a mim, como um perfeito irmão gêmeo, eu não imaginava as dificuldades que iria enfrentar. A falta de minha imagem no espelho, por exemplo, era uma delas: me criava problemas para pentear os cabelos ou escovar os dentes sem poder me ver.
Combinamos que, a partir de então, ele me substituiria quando eu quisesse, mas jamais deveríamos ser vistos juntos. Ninguém poderia desconfiar de nossa existência dupla, pois com isso se acabaria o encanto, significando o seu imediato regresso, para todo o sempre, ao interior do espelho.
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