(560)_MENINO DE ENGENHO [Literatura} (por José Lins do Rego)



MENINO DE ENGENHO

(Texto narrativo )


Fonte: Trecho da obra de JOSÉ LINS DO REGO. Menino de engenho. São Paulo: José Olympio, 2010.

[.....] Uma tarde, chegou um portador, num cavalo cansado de tanto correr, com um bilhete para o meu avô. Era um recado do Coronel Anísio, de Cana Brava, prevenindo que Antônio Silvino naquela noite estaria entre nós. A casa toda ficou debaixo do pavor.

O nome do cangaceiro era o bastante para mudar o tom de uma conversa. Falava-se dele baixinho, em cochicho, como se o vento pudesse levar as palavras. [...]

Naquela noite íamos tê-lo em carne e osso. Meu avô é que era o mesmo. Aquele seu ar de tranquilidade poucas vezes eu via alterar-se. [...] Tia Maria ficava no seu quarto a rezar. Tinha muito medo dessa gente que vivia no crime. Quando me viu a seu lado, abraçou-me, chorando.

Não havia, porém, perigo de espécie alguma. Antônio Silvino vinha ao engenho em visita de cortesia. Um ano antes ele estivera na vila de Pilar noutro caráter. Fora ali para receber o pagamento de uma nota falsa que o Coronel Napoleão lhe passara. [...] Mas, com meu avô, o bandido não tinha rixa alguma. Naquela noite viria fazer a sua primeira visita.

À noitinha chegava o bando à porta da casa-grande. Vinha Antônio Silvino na frente; os seus doze homens à distância. Subiu a calçada como um chefe, apertou a mão do meu avô com um sorriso na boca. Levado para a sala de visita, os cabras ficaram enfileirados na banda de fora, numa ordem de colegiais. Só ele tomava intimidade com os de casa. Ficávamos nós, meninos, numa admiração de olhos compridos para o nosso herói, para o seu punhal enorme, os seus dedos cheios de anéis de ouro e a medalha com pedras de brilhante que trazia no peito. O seu rifle pequeno, não o deixava, trazendo-o entre os joelhos.

À hora do jantar foram todos para a mesa.

Ele na cabeceira, e os cabras em ordem, todos calados, como se estivessem com medo. Só ele falava, contava histórias [...] numa fala de tátaro, querendo fazer-se de muito engraçado.

Alta noite foi-se com o seu bando. Para mim tinha perdido um bocado do prestígio. Eu o fazia outro, arrogante e impetuoso, e aquela fala bamba viera desmanchar em mim a figura de herói. [...]
Fim