🔉️(672)_CRISTO NA ONU [Literatura] (por Luiz Carlos Martins)


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CRISTO NA ONU

Luiz Carlos Martins



Forçado a caminhar com a multidão cansada, Cristo chegou à ONU. Seu rosto revelava a fadiga do operário desempregado, o corpo alquebrado do homem da roça, os olhos tristes do pescador, o cansaço do boia fria e o coração interrogante do jovem. Não fora convidado ou anunciado por ninguém.


Apenas o sofrimento da humanidade, de todos os homens e mulheres, era sua força. Ali onde a civilização tem seu trono, ele pôde ler a grande contradição dos direitos humanos, de uma vida desumana. O homem tem direito à vida, mas milhões de não-nascidos gritaram que era mentira.


O homem tem direito à instrução, mas centenas de analfabetos disseram que era uma farsa. O homem tem direito ao trabalho, mas milhares de retirantes choravam por sua terra. O homem tem direito à paz, mas os sobreviventes da injustiça expunham suas mutilações.


O homem tem direito à família, e um garoto maltrapilho perguntou o significado disso. O homem tem direito à liberdade, e muita gente começou a chorar baixinho. Depois dessa longa leitura, Cristo desceu do Palácio de Cristal, e para espanto da multidão, abriu seus braços em cruz, como na Sexta-feira Santa.


Chovia, mas ele lá ficou, enquanto a multidão ia se afastando. Ninguém ficou junto, ninguém lhe ofereceu carona, ninguém o convidou para sair de lá. E ainda hoje, ele continua firme, de braços abertos, ao sabor do tempo.


Ali, onde os homens o crucificaram. Ali, onde os homens crucificaram seus próprios irmãos. Ali, em Nova Iorque, Moscou, São Paulo, no mundo inteiro, onde os direitos humanos são desrespeitados.


Ou talvez ali, em sua casa, em minha casa, no meu, no seu coração.



Fim

(Transcrito por TurboScribe.ai.)