🔉️(677)_Casamento Cristão: O Amor como Sacramento [Palestra] (por João Mohana)

 



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O AMOR DOS CRISTÃOS QUE SE CASAM 

João Mohana

Quando estruturamos toda uma motivação teológica que traz como consequência um determinado estilo de comportamento, nada mais fazemos do que elaborar uma espiritualidade. Assim foi que Francisco de Assis entrou no Evangelho e seu belo coração fez descobertas convergentes, as quais, se enlaçando umas às outras, teceram a espiritualidade franciscana. Esse estilo peculiar de comportamento, nutrido por valores evangélicos como a simplicidade, a pobreza, a mansidão, o subir a Deus pelos degraus da natureza, o abraço da cruz para o encontro com as chagas de Cristo e outras inspirações afinadas, entremeadas com essas na harmonia da semelhança.


Também o casamento cristão engaja o marido e a mulher no estilo de comportamento norteado por uma constelação de valores auridos no Evangelho de Cristo e em outras fontes escriturísticas, sobretudo as cartas apostólicas. Nesse manancial inspirado e inspirador, os casais se abastecem, aí aprendem que o casamento cristão é um sacramento, o sacramento do amor humano. É aí, na alvorada da igreja de Cristo, ouvindo a pregação, especialmente a pregação de Paulo, que o homem e a mulher descobrem que Cristo vê tanta beleza, tanta dignidade no amor do homem e da mulher, a ponto de ter consagrado esse amor num sacramento.


O casamento cristão é o amor humano em nível transcendente, divinizado, nível sacramental. Assim como é necessária água para o sacramento do batismo, assim como é necessário óleo para o sacramento da crisma, assim como é necessário pão para o sacramento da eucaristia, do mesmo modo é necessário amor, amor de um homem por uma mulher e de uma mulher por um homem para o sacramento do matrimônio. Assim como sem água não nos podemos batizar, como sem óleo não nos podemos crismar, como sem arrependimento não nos podemos confessar, como sem pão eucarístico não nos podemos alimentar da vida eterna, assim também, sem amor conjugal não nos podemos casar.


Mas não é propriamente o amor que se torna sacramento, e sim a concretização prática desse amor, isto é, o compromisso do homem e da mulher, compromisso de formarem um casal cuja união nasce e culmina na união mística com Cristo, manancial do amor conjugal. Na medida em que a unidade com Cristo desemboca na união daquele cristão com aquela cristã, nessa medida o casamento se embebe de espiritualidade e inspira um estilo evangélico de comportamento conjugal, vede como eles se amam, quem observa um casal cristão autêntico pode proferir sem receio de equívoco essa histórica declaração. Se não pode haver comportamento conjugal sacramental sem inspiração do amor, se não existe amor matrimonial sem vontade capaz de garantir um compromisso bilateral, se o amor é indispensável para que seja sacramento um casamento, uma primeira medida para descobrirmos toda a poliédrica riqueza do casamento é conhecermos as faces marcantes do amor cristão entre marido e mulher, só conhecendo podemos meditar no coração e só conhecendo podemos meditar no coração podemos transbordar amor em forma de vida, só transbordando amor em forma de vida podemos presentear amor ao outro em atitudes em comportamento, só assim, só assim quando o amor for comportamento a invisibilidade do sacramento pode ser captada no testemunho do compromisso, embora seja a vontade livre de cada um que leva a ambos a decidirem pelo compromisso o amor nunca perde a prerrogativa de ser a alma de um casamento, daí ser indispensável familiarizar-se com as faces marcantes do amor, a alma do compromisso sacramental de vocês. 


A primeira face do amor conjugal é a fidelidade, porque pela fidelidade o amor faz aquilo que ele é, ama completamente, só é autêntico o amor que é fiel, amor infiel é contradição e por isso torna-se torturante, se quisermos uma palavra para exprimir a fidelidade do amor essa palavra é coerência, vejam por exemplo o amor de Jacques Raíssa Maritain, nenhuma atitude, nenhuma palavra, nenhuma decisão que soasse como incoerência era aposta por um dos dois entre os dois, Jacques amou Raíssa com toda a fidelidade, Raíssa amou Jacques com toda a coerência, de tal modo a infidelidade nega o amor que foi esse o único motivo aceito por Jesus como capaz de justificar a separação de um casal, juntem todos os erros e todos os defeitos, todas as faltas e todos os pecados num prato da balança do amor e no outro ponham a infidelidade, o prato da infidelidade pesará mais, porque a infidelidade não pode dizer que ama pelo simples fato de não poder provar, a fidelidade é o embasamento existencial de uma só carne, a carne que é uma, embora os espíritos sejam dois, já não são dois, sem fidelidade já não é possível ao amor coisas essenciais como a paz interior e a segurança exterior, não é possível paz interior porque não há paz sem justiça e a fidelidade é a primeira dívida da justiça, ora o infiel falta com a justiça devida ao amor, não é possível segurança exterior sem fidelidade porque a infidelidade é mentira de amor e só pode haver segurança alicerçada na verdade, o mentiroso tem pés de barro enterrados na areia, o infiel é um mentiroso, daí o rigor de Jesus ao permitir que um tal mentiroso possa ser abandonado, o infiel ama com reservas, portanto não ama com o amor de Deus, fechando-se a medida desmedida do divino amor, quem só pretende entregar 30% do coração ou 50 ou 70 que seja, está pretendendo conciliar amor e calculismo, ora o amor fiel ama sem reserva, sem cálculo e o infiel não, por isso é a matéria prima da traição, por isso Jesus sente repulsa pela infidelidade porque é traição, traição como a de Judas, traição a própria alma deste sacramento, por isso é que para o infiel Jesus tem o perdão e a graça do sacramento contanto que ele não queira se instalar na traição, vai e não queiras mais pecar, só assim o infiel terá chance de aproveitar o perdão, só assim o amor pode voltar a ser amor fiel e só sendo fiel o amor pode eclodir em fusão espiritual, de outro modo é impossível, só sendo fiel o amor pode se tornar baluarte nas provações inevitáveis, para ambos marido e mulher vale a regra porque o compromisso é de ambos, de ambos é o sacramento, Cristo espera que tanto o marido como a esposa sejam fiéis. Porque está disposto a conceder a ambos graças alimentícias da fidelidade, contanto que ambos abram o coração como balde atirado ao poço.


Para ele e ela, a espiritualidade conjugal aponta os símbolos sacramentais do marido e da mulher, o próprio Cristo e sua igreja. Assim como é impensável qualquer infidelidade entre a igreja e Cristo, seja também assim o amor entre um cristão e uma cristã que na igreja de Cristo se comprometeram pelo amor nupciado sacramentalmente. É próprio do amor ser fecundo.


Fecundo é o amor em qualquer fronteira da vida. Fecundo é o amor no casamento das flores. Fecundo é o amor no casamento dos pássaros.


Fecundo é o amor no casamento dos animais. De tal modo Deus ama a fecundidade que fez dela uma lei de vida e morte. Fecundidade é a lei do amor em todos os níveis da vida, inclusive quando a vida se chama homem e mulher.


De tal modo Cristo ama a fecundidade do amor que o amor desprovido da intenção de fecundidade não pode ser consagrado no sacramento. Se um homem e uma mulher optarem pelo casamento, banindo dele todo o projeto de fecundidade, bastaria essa voluntária castração para castrar também o sacramento. Cristo recusaria entrar com seu sacramento na intimidade desse casal, pelo menos enquanto permanecesse a recusa de participar do poder criador de Deus.


Vocês foram criados criadores, diria Cristo, e é no casamento onde assumem mais expressivamente a grandeza dessa responsabilidade. Diz ele a todo casal. Quero que vocês enriqueçam a humanidade.


Quero que valorizem minha igreja. Por isso, amem com amor fecundo. Não quero que se extingam, mas que se coroem nos frutos desse amor.


Lembrem-se que eu não fiz meu sacramento para figueiras estéreis. Quero que vocês amem o amor fecundo para contemplar o fulgor das estrelas nos olhos de seus filhos. Meu sacramento consagra a fecundidade do amor para que não terminem soterrados na travessia do deserto, o deserto da solidão.


Mas há aqueles que não têm ouvidos de ouvir, como eu avisei certa vez. Aqueles que têm horror ao amor fecundo porque os filhos os obrigam a ser responsáveis, a serem adultos, a não serem infantis, a conhecerem a importância de ser pai e ser mãe. Isto os apavora, porque impõe o trabalho de crescer e fazer crescer.


Por isso, há aqueles que preferem a esterilidade ao amor fecundo. Há uma terceira face do amor que eu, vosso Mestre e Senhor, quero ver naqueles que abraçaram este meu sacramento. Quero vê-los amando com um amor aberto.


Não é necessariamente aberto o amor mútuo, o amor que exclui tudo aquilo que não seja o parceiro ou os interesses do parceiro. No fundo, pode ser uma forma sutil de egoísmo. Dou amor para que não me falte amor.


Dou cortesia para que não me falte cortesia. Não foi assim que fiz. Dou atenção para que não me falte atenção.


Não é assim que faço. Dou cuidado para que não me falte cuidado. Não.


Tornou-se negócio esse amor, e o casamento um balcão. Foi-se ou está a ir-se o meu sacramento em alguns. Nessa modalidade de negócio, não há lugar para um sacramento no qual eu me entrego e entrego as graças de meu pai e vosso pai na comunhão da minha igreja e vossa igreja.


Lancem um olhar para mim na cruz e se concentrem no meu coração lanceado. Aí está a maior lição do amor aberto. Aí está a maior força posta à disposição de vocês dois para uma genuína abertura de amor.


Ali eu estou acessível a todos, porta do coração aberta, lembrando que o discípulo não pode ser diferente do mestre. O sacramento do amor nupcial, que eu lhes entreguei saindo do meu coração, não argumenta que o casal cristão deve retribuir tudo quanto recebe da sociedade. Não argumenta que o casal cristão deve oferecer a outros como lhe é oferecido.


Não argumenta, lembrando que o mundo é maior que qualquer casa e o horizonte terrestre ultrapassa qualquer quintal. O sacramento que concebi para o amor de vocês apela para o amor que tanto amou o mundo a ponto de abrir o coração e derramar todo o estoque de sangue por todos os casais que sonham amar como eu e meu pai sabemos amar. Amem-se, vocês dois, como nós dois nos amamos.


E se os filhos vieram, ou quando vierem, amem-se como nós dois e o Espírito nos amamos, aquele auxiliar que o pai e eu enviamos visando fazer da casa de vocês uma filial do nosso céu, aberta à casa de todos na terra, minha igreja. O sacramento do amor humano mostra a grande noite do mundo no firmamento dos corações, sonhando com casais que saibam amar todos os filhos do Pai Celeste, todos aqueles que eu amo como meus irmãos, todos aqueles por quem paguei o preço máximo, meu coração rasgado, aberto. Todos aqueles que nós amamos, contando chegar até eles nos solícitos pés de vocês, contando falar a eles pelos eloquentes lábios de vocês, contando enxergar com eles nos calorosos olhos de vocês, contando lançar âncoras a eles através das inesperadas mãos de vocês.


Você é marido de sua mulher. Você é esposa de seu marido. Mas vocês são irmãos de todos os filhos do Pai Celeste, irmãos de todos os meus irmãos de sangue e fé.


E por causa dessa divina fraternidade, vocês ou qualquer outro casal não se podem fechar sobre si mesmos como se o meu amor terminasse em duas criaturas ou como se do meu coração só tivessem gotejado dois rubis. Não se esqueçam do mandamento que eu deixei. Vocês devem se amar e amar os outros como eu os amo.


Não é esse o amor que vemos naquele que nos deu o sacramento de um amor aberto, o sacramento de um amor fecundo, o sacramento de um amor fiel, o sacramento do amor do próprio Deus amando no coração do homem e da mulher? 


Amém..



Fim

(Transcrito por TurboScribe.ai.)