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O que acontece no seu cérebro quando você navega no celular e três dicas para evitar que isso se torne compulsivo.
Reportagem de Santiago Vanegas, da BBC News Mundo, publicada pela BBC News Brasil em 14 de maio de 2024. Lida por Silvia Salek.
Um vídeo de um cachorrinho, uma foto de uma amiga na praia, um meme, uma notícia do outro lado do mundo. Os conteúdos vão se intercalando. Se você gosta, você vê, se você não gosta, você passa.
O hábito de deslizar o dedo pela tela do celular faz parte do dia de muita gente, às vezes por alguns segundos enquanto estamos no elevador, às vezes por horas antes de dormir. Mas o que acontece no nosso cérebro quando rolamos a tela do celular e por que isso é tão viciante e como podemos evitar que isso se torne um problema? Eilish Duke, professora de psicologia na Universidade Leeds Beckett, no Reino Unido, diz que a primeira coisa que precisamos entender é que o impulso de pegar o celular e acionar a tela que desencadeia a rolagem é automático. Não temos consciência disso porque construímos esse hábito ao longo do tempo.
É como fechar a porta ao sair de casa, por exemplo. Em uma pesquisa que fizemos há alguns anos, descobrimos que os participantes achavam que verificavam seus telefones a cada 18 minutos. Mas quando usamos gravadores de tela, percebemos que, na verdade, eles verificavam o celular com muito mais frequência.
A partir do momento que ativamos a tela, certas funções no nosso cérebro e o design sofisticado dos aplicativos do nosso celular entram em cena em perfeita harmonia. Segundo a professora Ariane Ling, do Departamento de Psiquiatria da New York University Langone Health, nos Estados Unidos, o hábito da rolagem de tela pode ser explicado pelo comportamento natural dos seres humanos, mas é agravado por fatores ambientais. Ela explica que o ser humano está programado para querer saber o que está acontecendo.
É por isso que lemos notícias ou, por exemplo, paramos para olhar quando há um acidente na estrada. É algo que faz parte do desenvolvimento evolutivo que nos permitiu sobreviver como espécie. E nosso celular foi projetado para nos alimentar continuamente com informações que supostamente nos interessam, ou seja, é um casamento perfeito.
Nossos cérebros buscam naturalmente ser recompensados. Temos certos centros neurais que reagem ao prazer, ao sexo, às drogas, a ganhar dinheiro e esperam que isso se repita várias vezes. Estão buscando aquela novidade, aquela próxima dose de prazer, seja lá o que for que possamos realmente desfrutar, explica Eilish Duke.
Isso é conhecido como sistema ou circuito de recompensa do cérebro e é exatamente o mesmo mecanismo pelo qual uma pessoa se torna dependente de uma substância como o álcool. Para muitos de nós, essa novidade vem na forma do nosso telefone. As redes sociais, em particular, sempre têm algo novo e prazeroso a oferecer.
Uma foto, um vídeo, uma notícia, uma mensagem. Mas há outra parte do cérebro que luta contra esses impulsos de busca por prazer e recompensa imediata, o córtex pré-frontal. É a região do cérebro responsável por fazer você tomar decisões menos impulsivas e mais equilibradas.
Aquela que faz você, por exemplo, parar de enrolar a tela, levantar do sofá e decidir arrumar a casa ou praticar exercício físico. Mas essas duas funções cerebrais nem sempre estão perfeitamente equilibradas. O que acontece com muita gente é que a parte lógica do nosso cérebro, que controla nossos impulsos, não está fazendo sua parte, ou pelo menos não tão bem quanto poderia, e está sobrecarregada pela busca por prazer, afirma Eilish Duke.
E no caso dos jovens, o problema é ainda maior. O que vemos nos adolescentes é que o circuito de recompensa está em alerta máximo, pronto para funcionar o tempo todo, mas o córtex pré-frontal só termina de se desenvolver aos 23 ou 24 anos, por isso ele não consegue realmente controlar certos impulsos, como usar o telefone, explica a professora de psicologia. E o que acontece quando rolamos a tela do celular é que entramos em um estado de fluxo.
O conceito de fluxo, em psicologia, se refere a um estado mental em que a dificuldade da tarefa que uma pessoa está realizando se ajusta muito bem ao nível de atenção e habilidade que ela tem para oferecer naquele determinado momento. Aplicativos como o TikTok, em que o algoritmo muda constantemente e oferece coisas novas, especialmente direcionadas a você, alimentam diretamente este estado de fluxo. Eles absorvem toda a sua atenção, e você entra em uma fase de distorção do tempo em que não percebe que duas horas passaram, e você está ali sentado com a mão dormente e perdeu todo esse tempo vendo vídeos de cachorrinhos, acrescenta Ailis Duke.
Ariane Ling explica, usando uma metáfora, como o nosso cérebro começa a adquirir o hábito de rolar a tela do celular excessivamente. Se você pensar em um caminho que já foi percorrido muitas vezes, esse caminho se torna muito mais claro, e continuamos caminhando por ele, é mais fácil. Se você rolar a tela constantemente, esta se torna a experiência padrão, e assim fica muito difícil focar sua atenção e seu tempo em outra coisa completa.
A dependência do celular não consta no manual de diagnóstico psiquiátrico, portanto não existem critérios estabelecidos para diferenciar o uso saudável do uso problemático e, consequentemente, da dependência. Nos baseamos nos critérios clássicos de diagnóstico de dependências, como de que existe um impulso incontrolável ou que o comportamento está tendo um impacto funcional negativo no resto da vida da pessoa, por exemplo, ela está deixando de fazer coisas que precisa fazer no dia a dia ou apresenta sintomas de abstinência, explica Ailis Duke. É importante, portanto, prestar atenção e tentar rever nossos próprios hábitos.
Se você mesmo tentou parar e tentou de verdade, mas não conseguiu, eu recomendaria procurar ajuda ou uma intervenção mais significativa, sugere Ariane Ling. E aqui a BBC resume para você três dicas de como evitar a rolagem de tela compulsiva. Primeira dica, passar um tempo longe da tela.
Ter certos rituais que afastem você do celular é sempre muito útil, diz Ariane Ling. Segundo ela, muitas pesquisas mostram como um exercício tão simples quanto caminhar sem o celular pode ter um grande impacto. Sempre que você puder deixar o telefone em casa e dar um tempo, seja para dar uma caminhada ou para ir à academia, é excelente.
E não é só porque impede você de usar o celular nesse período, mas também porque ajuda você a prestar atenção ao que está ao seu redor, exercitar outras funções do cérebro e ter consciência de como você se sente ao deixar o celular para trás. Criar o hábito ou regra de não usar o celular à mesa quando estiver com a família ou amigos também é o ideal, uma vez que assim não depende apenas de você. Seja outra pessoa pode te lembrar que não é hora de usar o celular e ter um reforço visual dessa regra, como uma cesta em que todos possam colocar o celular antes da refeição, pode torná-la ainda mais eficaz.
Em geral, qualquer esforço consciente para diferenciar na sua rotina o tempo com o celular do tempo sem o celular pode ajudar a evitar a rolagem de tela sem sentido por mero hábito. Se você puder reservar períodos de tempo em que não vai usar o telefone, mas sim se concentrar em uma tarefa ou apenas estar presente com os amigos é uma boa ideia, aconselha Ailis Duke. Outra coisa que às vezes eu faço é colocar meu telefone em preto e branco, o que torna menos atraente olhar para a tela, compartilha a Rian Ling.
Segunda dica, fazer pequenas mudanças na rotina para realizar tarefas que você faz no celular, porém sem usar o dispositivo também pode ajudar. Em um dos estudos que fizemos há alguns anos, vimos uma grande diferença entre as pessoas que usavam relógios normais e aquelas que usavam o celular para ver a hora, conta Ailis Duke. Sem querer, as pessoas que usavam o celular para ver a hora acabavam presas na rolagem de tela.
Além disso, por exemplo, se você conseguir ler o que quer que esteja lendo sem estar online é maravilhoso, acrescenta a professora de psicologia. Encorajo as pessoas a serem curiosas e buscarem truques para reduzir o tempo de uso do celular e passar mais tempo no mundo tridimensional. Somos táteis, devemos nos envolver com as coisas no mundo real, completa a Rian Ling.
E a terceira dica, tentar controlar o impulso. Raramente quando sentimos o impulso de entrar em um aplicativo para simplesmente ficar rolando a tela ou quando já estamos fazendo isso há horas, paramos para pensar por que estamos fazendo isso ou quanto satisfeitos nós estamos com essa decisão. Tentar estar mais consciente das nossas decisões, de como nos sentimos, de como nossa mente funciona nesses momentos é uma intervenção poderosa que podemos fazer.
O impulso de pegar o telefone é como ter um desejo, você percebe que seu corpo começa a desejar aquilo, é como se seu cérebro dissesse, oi, faz um tempo que não consumimos dopamina, vamos consumir um pouco e esse desejo pode crescer como uma onda, explica a Rian Ling. Mas você pode resistir a esse impulso, certo? Você pode dizer, ok, é isso que estou percebendo, quero muito olhar meu celular, abrir aquela notificação, mas não vou fazer isso. É necessário muita prática e responsabilidade, mas acho que quem realmente pratica algo do tipo com diligência nota benefícios de longo prazo, como ser capaz de manter a atenção, se sentir melhor, ter experiências fora da tela que tornam sua vida mais rica e significativa, conclui a Rian Ling.
Você ouviu a reportagem o que acontece no seu cérebro quando você navega no celular e 3 dicas para evitar que isso se torne compulsivo. Publicada pela BBC News Brasil em 14 de maio de 2024.
Fim
Fonte: vídeo "O que acontece no seu cérebro quando você navega no celular" in https://youtu.be/WdlQuRRyFlU - Canal BBCNews Brasil
( Transcrito por TurboScribe.ai )